Após a publicação da classificação dos tumores do SNC pela OMS em 2016, as alterações moleculares têm sido determinantes na classificação dos mesmos. A necessidade de avaliação e incorporação destes aspectos na classificação iniciou-se antes da formação do cIMPACT-NOW (Consortium to Inform Molecular and Practical Approaches to CNS Tumor Taxonomy), o qual até agora já publicou 2 introduções explanatórias, 4 atualizações Round 1 e uma revisão Round 1, discutindo atualmente os tópicos para o Round 2, que se iniciou após reunião em setembro/2019 na Holanda que reuniu 26 neuropatologistas, visando definir “novas” entidades e revisar definições das entidades “antigas”, pediátricas e do adulto.
O grupo inicialmente listou 40 potenciais assuntos a serem discutidos quanto à avaliação histopatológica dos tumores dividindo em alguns pontos:
1) Reunir a literatura de cada tipo possível e avaliar se seria suficiente para considerar a entidade como distinta;
2) Decidir se é tipo ou subtipo;
3) Criar uma nova definição ou mudança nas já existentes;
4) Sugerir onde na classificação da OMS se encaixaria melhor.
5) Foi discutida também a importância de metodologias emergentes, como o diagnóstico metiloma.
Para cada tipo/subtipo as lesões foram divididas em:
– Tipos, subtipos, critérios diagnósticos ou família tumoral recentemente reconhecidos;
– Tipo já existente com sugestão de modificação do nome;
– Tipo já existente sem sugestão de modificação do nome;
– Lesão sub judice.
Princípios:
Tipos/subtipos x entidades/variantes: A OMS recomenda atualmente usar o termo tipo (neoplasia com múltiplos parâmetros que diferem de outros tipos) e subtipo (variante do tipo em que uma ou poucos parâmetros diferente de outros subtipos), em vez de entidades/variantes.
Uma alternativa de abordagem das categorias dos tumores sugerida na classificação da OMS de 2016 é a “mix and match”, onde uma lista de tumores histologicamente e geneticamente definidos são combinados a um diagnóstico integrado. Esta abordagem é exemplificada no caso dos ependimomas supratentoriais (RELA fusion-positive e YAP1 fusion-positive) e ependimomas de fossa posterior (pediátrico/PFA e adulto/PFB).
Quanto à nomenclatura, foi definido que deveria ser o mais simples possível e só destacaria localização, idade ou fatores genéticos se necessários. Quanto ao grau recomenda-se usar algarismos arábicos e não mais romanos.
O perfil metiloma tem fornecido importante contribuição para a classificação e diagnóstico dos tumores do SNC, notadamente para os astrocitomas de alto grau com características piloides e tumor glioneuronal leptomeníngeo difuso.
Critérios diagnósticos para glioblastoma (GBM): Um astrocitoma difuso IDH selvagem pode ser classificado como um GBM se tiver proliferação microvascular, necrose ou pelo menos uma de três alterações genéticas (mutação do promotor TERT, amplificação do gene EGFR e alterações no número de cópias do cromossomo +7/-10).
Não é mais recomendada a utilização do termo GBM, IDH-mutante. Neste sentido, a classificação recomenda o uso do termo “astrocitomas anaplásicos IDH-mutantes“, que podem ser grau 2, 3 ou 4. Caso tenham a pesquisa positiva para a deleção CDKN2A/B homozigótica, serão reclassificados de grau 3 para 4.
Alterações na atividade mitótica persistem como critérios para diferenciar grau 2 de 3; e proliferação microvascular e necrose para o grau 4.
Glioma difuso, H3.3 G34-mutante: O glioma difuso IDH selvagem grau 4 acomete os hemisférios cerebrais, crianças e adultos jovens, apresentando aspecto anaplásico (podendo se assemelhar a tumor embrionário do SNC).
Suas características moleculares são: OLIG2 (-), perda do ATRX e superexpressão do p53.
Trata-se de uma sugestão como novo tipo nos “tumores difusos gliais”, diferindo dos gliomas IDH mutantes ou selvagens e dos difusos de linha média relacionados à mutação da H3 K27M. Apresenta sobrevida pouco melhor que o GBM IDH-selvagem e pior que o GBM IDH-mutado.
Astrocitoma de alto grau com características piloides: astrocitoma com características anaplásicas e citologia piloide.
Suas características moleculares são: alteração nos genes da via MAPK com deleção CDKN2A/B homozigótica, perda da expressão nuclear do ATRX e padrão diferente de metilação do DNA. Pode ocorre de novo ou por desdiferenciação.
Acomete cerebelo e tem prognóstico pior que os astrocitomas pilocíticos, porém melhor que GBM IDH-selvagem. Este tumor foi determinado com base no seu padrão distintivo determinado pelo perfil metiloma.
Astroblastoma, MN1-alterado: Neoplasia glial com alteração MN1 (geralmente fusão entre MN1 e BEND2). Acomete os hemisférios cerebrais de pacientes jovens. EMA e podoplanin são expressas em todos os tumores. Deleções 22q e no cromossomo X são freqüentes. Encaixa-se melhor como “outros gliomas”. Se o MN1 não puder ser testado é classificado com Astroblastoma, NOS.
Tumor glioneuronal leptomeníngeo difuso: Neoplasia composta de células oligodendrócitos-like, com deleção no cromossomo 1p, alteração dos genes da via MAPK (KIAA1549-BRAF mais freqüente), sem mutação IDH.
Acometem crianças, com disseminação leptomeníngea. Ocasionalmente pode ter uma lesão parenquimatosa primária (mais comum na medula espinal). Encaixa-se melhor como um tipo de tumor distinto do grupo dos “tumores neuronais e mistos neurono-gliais”. Dois subtipos incluem: MC-1 e MC-2, este último de pior prognóstico.
Tumor mixoide glioneuronal: Neoplasia indolente da região septal, SB periventricular e corpo caloso, composta de células oligodendrócitos-like de permeio a um estroma mixoide/rico em mucina, com curso semelhante às neoplasias grau 1, porém com disseminação ventricular comum. A mutação no gene PDGFRA (K385L ou K385I) é freqüente. Encaixa-se melhor no grupo dos “tumores neuronais e mistos neurono-gliais”. Podem se assemelhar com o tumor desembrioblástico neuroepitelial, porém este ultimo se difere por apresentar múltiplos nódulos ricos em mucina no córtex cerebral.
Tumor neuroepitelial polimórfico de baixo grau do jovem: Neoplasia cerebral com padrão de crescimento difuso, com células oligodendroglioma-like e calcificação, alteração na via da MAPK (genes FGFR2, FGFR3 e BRAF). Acomete crianças e adultos jovens, associado à epilepsia. Encaixa-se melhor no grupo dos “tumores neuronais e mistos neurono-gliais”.
Tumor neuronal multinodular e vacuolizante: Neoplasia neuroepitelial benigna caracterizada por nódulos pequenos e coalescentes, com alterações vacuolares em sua matriz. Pode ser assintomático ou associado a epilepsia e cefaléia.
A localização típica é superficial, frontotemporais, nas camadas corticais profundas, com idade média de 40 anos. Alguns podem ter algumas células com linhagem oligodendrócito-like, GFAP (-), OLIG2 (+) e antígenos neuronais HuC/HuD (+), Ki67< 1 %, alterações na via do MAPK (MAPK2K1, fusões FGFR).
Encaixa-se melhor com um tipo de tumor distinto grau 1 do grupo dos “tumores neuronais e mistos neuronogliais”.
Ependimoma supratentorial YAP-MAMLD1 fusion-positive: Acomete crianças <3 anos (raro em adultos), feminino, grandes lesões intra/paraventriculares com cistos proeminentes. Representam 4% dos ependimomas. Prognóstico favorável, melhor que os RELA-positive.
Ependimoma de fossa posterior pediátrico/PFA: Metilação do perfil PFA DNA e perda da expressão nuclear H3 K27me3. Acomete crianças, tendo a maioria características anaplásicas. Prognóstico pior que o adulto/PFB, principalmente quando presente ganho do cromossomo 1q. Pode ter mutação do H3 K27M.
Ependimoma de fossa posterior adulto/PFB: Metilação do perfil PFB DNA e perda da expressão nuclear H3 K27me3. Acomete adolescentes e adultos jovens, maioria não tem características anaplásicas, porém semelhante ao pediátrico/PFA. Melhor prognóstico que o pediátrico/PFA.
Ependimoma espinal, MYCN-amplificado: Acomete a medula torácica ou cervical, com características anaplásicas. Disseminação frequente e prognóstico reservado em comparação aos outros ependimomas.
Neuroblastoma do SNC, FOXR2-ativado: Neoplasia embrionária com células neuroblásticas e/ou neurocíticas, freqüente ganho do cromossomo 1q, superexpressão do fator de transcrição FOXR2 e NKX2-1. Para classificações futuras, deve ser incluído em “outros tumores embrionários do SNC”.
Tumor do SNC com duplicação BCOR internal tandem: Neoplasia maligna embrionária com histologia variável, podendo apresentar necrose, com ausência habitual de proliferação microvascular. Para classificações futuras, deve ser incluído em “outros gliomas”.
Ufa, assunto denso e atualizações pertinentes.
Vamos nos preparar para a próxima classificação! 🙂
Fonte:
Louis DN, Wesseling P, Aldape K, et al.
Brain Pathol. 2020.
DOI: https://doi.org/10.1111/bpa.12832