VAMOS APRENDER SOBRE UM ASSUNTO QUE POUCOS DE NÓS SABEMOS?!
Gêmeos craniopagos (GC) são uma rara condição congênita malformativa, na qual os gêmeos são unidos pela cabeça, ocorrendo em menos de 10% dos gêmeos siameses, com incidência de cerca de até 2,5 milhões dentre os nascidos vivos. O crânio é a região unida mais frequente em regiões homólogas de cada gêmeo, em orientação vertical ou angular, sem envolvimento primário da face ou do forame magno. GC podem ser totais, quando compartilham seios venosos durais; e parciais, quando tem estruturas anatômicas venosas separadas. Os métodos de imagem têm contribuído para o planejamento cirúrgico e a definição diagnóstica. As técnicas cirúrgicas têm evoluído constantemente, com abordagens únicas ou múltiplas. Os métodos de imagem têm papel importante para o mapeamento das estruturas arteriais e venosas, do parênquima encefálico, calvária e da dura.
O trabalho discutiu os aspectos radiológicos pré-operatórios dos GC, incluindo anatomia, sistemas de classificação e planejamento cirúrgico.
EMBRIOLOGIA
Gêmeos monozigóticos, monoamnióticos e monocoriônicos são os que têm maior potencial de gemelaridade siamesa. Existem duas teorias associadas, de fusão e fissão. A teoria de fissão sugere uma separação incompleta do embrião no estágio de linha primitiva, justificando a co-ocorrência de situs inversus e imagem em espelho em gêmeos siameses. A teoria de fusão sugere que se reúnem em áreas variáveis após separação inicial, justificando os múltiplos ângulos que os gêmeos podem se unir.
SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO
Alguns sistemas de classificação foram propostos, sendo o primeiro de O’Connell. A mais utilizada hoje é de Stone e Goodrich, que define como parcial, os casos que não compartilham seios venosos durais; e total, ocorre esse compartilhamento e se apresentam com compressão cerebral pronunciada. Além disso, foram definidos 2 subtipos, angular e vertical, baseados no ângulo do eixo longo entres os gêmeos.
Anatomia: GC são ligados, na maioria das vezes de forma assimétrica, apenas pela calvária, sem envolvimento do forame magno, base do crânio, vértebra ou face.
– GC parciais: Geralmente frontais e, menos comumente, occipital ou vertical biparietal. O diâmetro juncional é geralmente menor nos casos parciais que no outro tipo e uma camada incompleta de osso pode estar presente. A dura de cada gêmeo pode estar intacta ou deficiente e os giros interdigitados. Pode haver associação de vasos leptomeníngeos entre os gêmeos, podendo aumentar a morbidade.
– GC total vertical: Consiste em um arranjo longitudinal com aparência geral de 1 crânio comum contínuo envolvendo 4 hemisférios cerebrais. Pode haver um septo parcial ou completo de dura que separa os hemisférios cerebrais profundos. A foice cerebral é geralmente ausente ou anômala. O suprimento arterial é geralmente confinado em cada gêmeo. Diversas alterações venosas podem estar associadas. Devido à ausência de um envelope dural completo, as camadas durais acabam originando um seio venoso circunferencial. O entendimento da drenagem venosa é importante fator prognóstico para a separação bem-sucedida.
– GC total angular: Apresenta angulação longitudinal mais aguda e a drenagem venosa é mais complexa, interconectando os canais venosos e com marcada distorção dos hemisférios cerebrais. Esta apresentação tem mostrado maior extensão de tecido cerebral interposto, incluindo cerebelo e a rede arterial local.
COMORBIDADES ANATÔMICAS
GC geralmente apresentam comorbidades adicionais, como cardiovasculares, genioturinárias, craniofaciais e neurológicas, incluindo ducto arterioso patente, coarctação aórtica, hipertensão, hipotensão, fenda labiopalatina, sirenomielia e agenesia anorretal.
MÉTODOS DE IMAGEM
– Pré-natal: ultrassonografia e RM podem ser usadas para avaliação intra-útero.
O diagnóstico ultrassonográfico pode ser feito na 12ª semana gestacional, quando 2 fetos não podem ser visualizados separadamente em um único saco gestacional. Uma aparência bífida do polo fetal no primeiro trimestre, presença de > 3 vasos no cordão umbilical, persistência das cabeças no mesmo plano e falha dos fetos de mudar de posição em relação ao outro durante o tempo de exame. RM permite melhor avaliação do cérebro fetal, vascularização e demais tecidos de partes moles. TC é útil para avaliação de fusão óssea. Ângio-TC são úteis para fornecer informações sobre vascularização e planejamento cirúrgico.
– Pós-natal:
RM fornece informações detalhadas sobre anatomia cerebral e o desenvolvimento. Ângio-RM permite entender de forma minunciosa o sistema vascular, sendo os estudos de ângio-TC superiores nesta avaliação. Os protocolos devem tentar incluir sequências ultra-rápidas e volumétricas T1 e T2. A angiografia pode ser usada no pré-operatório, sendo a fase venográfica crucial para o entendimento da rota venosa no gêmeo que tem os seios venosos mais bem formados.
Alguns trabalhos mostram que a embolização de estruturas venosas tem sido usada para promover o desenvolvimento de colaterais e facilitar a separação de estruturas venosas.
PLANEJAMENTO CIRÚRGICO
O objetivo do planejamento cirúrgico envolve separar estruturas compartilhadas, incluindo vascularização e parênquima interdigitado, reconstruindo estruturas cranianas para cada gêmeo. Na abordagem única o seio venoso circunferencial é dado a um dos gêmeos, tentando-se reconstruir os seios venosos no outro gêmeo. As abordagens múltiplas em geral não são necessárias para o GC parciais. As reconstruções incluem adequação dural, craniana e dos tecidos de partes moles. Em geral, o gêmeo não dominante pode experimentar mais efeitos de hipotensão, baixo débito cardíaco, pneumonia de aspiração. A maioria das estruturas da linha média, incluindo o seio venoso circunferencial, será doada ao dominante.
A primeira cirúrgica realizada neste cenário foi em 1953, com morte de um dos gêmeos. As cirurgias com abordagem múltipla são preferíveis nos GC totais, dividindo de forma gradual as veias ponte, aumentando a formação de colaterais e dilatando veias comunicantes no gêmeo não dominante, que não vai receber o seio sagital superior, melhorando o a drenagem venosa e reduzindo o risco de edema cerebral e fístula liquórica.
Fonte:
A.E. Goldman-Yassen, J.T. Goodrich, T.S. Miller, and J.M. Farinhas
American Journal of Neuroradiology June 2020;