A quinta edição da Classificação de Tumores do Sistema Nervoso Central (SNC) da OMS (WHO CNS5), publicada em 2021, é a sexta versão do padrão internacional para classificação de tumores encefálicos e da medula espinal, seguindo as publicações anteriores de 1979, 1993, 2000, 2007 e 2016, com mudanças importantes em relação à quarta edição de 2016 e no trabalho do Consortium to Inform Molecular and Practical Approaches to CNS Tumor Taxonomy (cIMPACT-NOW). O artigo resume as principais mudanças gerais na classificação da quinta edição de 2021 e as mudanças específicas em cada categoria taxonômica.
MUDANÇAS GERAIS
TAXONOMIA DOS TUMORES DO SNC
Na WHO CNS5, os biomarcadores moleculares foram incorporados aos achados clinicopatológicos, como histologia e imuno-histoquímica, para a classificação mais precisa das neoplasias do SNC. A taxonomia dos tumores do SNC é, portanto, híbrida, e diferentes famílias podem ser agrupadas de diferentes formas, de acordo com:
- alterações genéticas que permitem um diagnóstico completo (ex: IDH);
- associações oncogênicas mais frouxas (ex: alterações da via MAPK);
- semelhanças histológicas e histogenéticas, embora as assinaturas moleculares variem (ex: a família Outros gliomas, tumores glioneuronais, e Tumores neuronais);
- usando características moleculares para definir novos tipos e subtipos (ex: meduloblastoma)
NOMENCLATURA DOS TUMORES DO SNC
A WHO CNS5 segue as recomendações da reunião cIMPACT-NOW, de Utrecht, de 2019 para a nomenclatura mais simples e consistente. Os nomes foram simplificados, utilizando-se apenas localização, idade ou modificadores genéticos com utilidade clínica.
[Veja o resumo sobre o artigo cIMPACT-NOW na nossa banca de resumos do Neuronews!]
NOMENCLATURA DE GENES E PROTEÍNAS PARA CLASSIFICAÇÃO DOS TUMORES DO SNC
A WHO CNS5 utiliza o sistema HUGO Gene Nomenclature Committee (HGNC) para símbolos e nomes de genes, as recomendações da Human Genome Variation Society (HGVS) para variantes de sequência e as diretrizes para alterações cromossômicas do International System for Human Cytogenetic Nomenclature 2020.
Como é feita a nomenclatura?
- Os símbolos dos genes são apresentados em itálico, diferente das proteínas e grupos de genes
- Na alteração em relação a uma sequência de referência de transcrição utiliza-se o prefixo “c.” para a sequência codificadora do DNA, seguido pelo número do nucleotídeo e mudança de nucleotídeo.
- Na mudança de sequência de proteína prevista, utiliza-se o prefixo “p.” com o aminoácido de referência, o número do aminoácido e o aminoácido variante resultante da mutação.
- Ex: a variante de BRAF mais comum é BRAF:c.1799T>Ap.Val600Glu (ou BRAF: c.1799T>Ap.V600E se forem utilizados códigos de aminoácidos de uma única letra).
- Para evitar confusão com a numeração de aminoácidos, a WHO CNS5 utiliza o sistema de numeração de proteínas entre parênteses após a descrição da variante no nível de proteína. Ex: H3-3A:c.103G>A p.Gly35Arg (G34R) ou H3-3A:c.83A>T p.Lys28Met (K27M).
GRADUAÇÃO DOS TUMORES DO SNC
- Como a WHO CNS5 difere de outros sistemas de classificação, utiliza-se o termo “CNS WHO grade” (“grau da OMS”) ao escrever o grau.
- Algarismos árabes vs romanos: A WHO CNS5 utiliza algarismos arábicos em vez de algarismos romanos.
- Graduação dentro de tipos: A graduação das neoplasias na WHO CNS5 é realizada dentro de tipos e não conforme os diferentes tipos de tumor. Ex: o astrocitoma anaplásico era automaticamente atribuído ao grau 3 da OMS, sem a possibilidade de classificá-lo como grau 1, 2 ou 4. Essa mudança foi feita para maior flexibilidade no uso do grau em relação ao tipo de tumor, para enfatizar semelhanças biológicas dentro dos tipos de tumor, em vez de comportamento clínico aproximado, e para estar em conformidade com a classificação da OMS de outros tumores fora do SNC.
- Graduação “clinicopatológica”: A WHO CNS5, em geral, manteve os aspectos relacionados ao comportamento clinicobiológico usados para classificar tipos de tumor nas edições anteriores. Ex: os astrocitomas IDH-mutado variam de grau 2 a 4 da OMS e os meningiomas variam de grau 1 a 3, não havendo astrocitoma IDH-mutado grau 1 ou meningioma grau 4.
- Graduação histológica e molecular combinada: A classificação dos tumores do SNC tem se baseado exclusivamente em características histológicas, mas, hoje, alguns marcadores moleculares podem fornecer informações prognósticas essenciais. Assim, os parâmetros moleculares foram adicionados como biomarcadores de classificação, bem como para uma estimativa futura do prognóstico em vários tipos de tumor.
DIAGNÓSTICOS NOS (NÃO ESPECIFICADO DE OUTRA FORMA) E NEC (NÃO CLASSIFICADO EM OUTRO LUGAR)
O sufixo NOS indica que as informações diagnósticas, histológicas ou moleculares, necessárias para um diagnóstico específico da OMS não estão disponíveis, pela não realização ou falha técnica.
O sufixo NEC indica que o teste diagnóstico necessário foi realizado com sucesso, mas os resultados não permitem prontamente um diagnóstico da OMS. Ou seja, apesar da investigação patológica adequada, o tumor não está em conformidade com um diagnóstico padrão da OMS, por incompatibilidade entre características clínicas, histológicas, imuno-histoquímicas e/ou genéticas.
NOVAS TECNOLOGIAS DIAGNÓSTICAS
Ao longo do século passado, muitas novas tecnologias aprimoraram a classificação do tumor, incluindo a microscopia de luz, colorações histoquímicas, microscopia eletrônica, imuno-histoquímica, genética molecular e, mais recentemente, uma variedade de abordagens de perfil molecular amplo. Nas últimas duas décadas, o desenvolvimento e disponibilidade das metodologias baseadas em ácido nucleico, como o sequenciamento de DNA e RNA, a hibridização in situ de fluorescência de DNA e o perfil de expressão de RNA, permitiram a incorporação de abordagens moleculares na WHO CNS5.
O perfil do metiloma, utilização de matrizes para a identificação dos padrões de metilação do DNA no genoma, em conjunto com outras tecnologias padrão, é um método auxiliar eficaz para a classificação dos tumores do SNC. A grande maioria dos tipos e subtipos tumorais pode ser identificada por outras técnicas, como a combinação de características morfológicas e alteração genética definidora. Entretanto, o perfil do metiloma pode ser a maneira mais eficaz de caracterizar alguns tumores com características morfológicas incomuns e pode ser a única forma atual de identificar alguns tipos e subtipos raros de tumor. Outras aplicações do perfil do metiloma incluem a quantidade pequena de amostra de biópsia, limitantes para as tecnologias padrão, e a utilização como um marcador substituto para eventos genéticos (ex: assinatura do metiloma característica de glioblastoma IDH-selvagem na ausência de teste de mutação de IDH).
DIAGNÓSTICOS INTEGRADOS E EM CAMADAS
Devido à crescente importância das informações moleculares na classificação do tumor do SNC, recomenda-se o uso do relatório diagnóstico em camadas, conforme endossado pela International Society of Neuropathology (diretrizes do consenso de Haarlem) e International Collaboration on Cancer Reporting. Os relatórios apresentam um diagnóstico integrado na parte superior, seguido por camadas que contêm informações histológicas, moleculares e outros tipos importantes de informações.
ENTIDADES RECENTEMENTE RECONHECIDAS E NOMENCLATURA REVISADA
Vários tipos de tumor recém-reconhecidos foram aceitos na WHO CNS5. Foram descritas algumas características microscópicas distintas e feitas alterações na nomenclatura de algumas entidades, tanto para esclarecer alterações moleculares quanto para seguir as diretrizes de nomenclatura da Atualização 6 do cIMPACT-NOW.
Alguns tipos de tumor propostos foram discutidos e provisoriamente aceitos (designados em itálico) como tipos por parecerem clinicamente distintos, mas estudos publicados adicionais são necessários para aceitação total.
Novos tipos de tumores reconhecidos:
Astrocitoma difuso, MYB ou MYBL1-alterado
Tumor neuroepitelial polimorfo de baixo grau do jovem
Glioma difuso de baixo grau, via MAPK-alterado
Glioma hemisférico difuso, H3 G34-mutado
Glioma difuso de alto grau pediátrico, H3-selvagem e IDH-selvagem
Glioma hemisférico infantil
Astrocitoma de alto grau com características piloides
Tumor glioneuronal difuso com características semelhantes a oligodendroglioma e clusters nucleares (tipo provisório)
Tumor glioneuronal mixoide
Tumor neuronal multinodular e vacuolizante
Ependimoma supratentorial, fusão YAP1-positiva
Ependimoma da fossa posterior, grupo PFA
Ependimoma da fossa posterior, grupo PFB
Ependimoma espinhal, amplificado por MYCN
Tumor neuroepitelial cribriforme (tipo provisório)
Neuroblastoma do SNC, FOXR2-ativado
Tumor do SNC com duplicação em tandem interno de BCOR
Tumor mixoide desmoplásico da região pineal, SMARCB1-mutado
Tumor mesenquimal intracraniano, fusão FET-CREB-positiva (tipo provisório)
Sarcoma CIC-rearranjado
Sarcoma intracraniano primário, DICER1-mutado
Blastoma hipofisário
Fonte:
Louis D. N. et al
Neuro-Oncology, Jun 2021