Cerebral amyloid angiopathy with related inflammation masquerading as crescendo transient ischaemic attacks

A angiopatia amilóide cerebral (CAA) é uma condição caracterizada pela deposição progressiva de beta-amilóide nos vasos sanguíneos de pequeno a médio calibre do córtex cerebral e das leptomeninges, que compromete a integridade da parede do vaso e predispõe à hemorragia intracerebral recorrente.

A inflamação relacionada à CAA (CAA-RI) é um subtipo recentemente reconhecido de CAA no qual há evidência neuropatológica de inflamação vascular associada à patologia típica da CAA. 

Tanto a CAA quanto suas forma inflamatórias estão associadas a eventos de déficits focais transitórios que simulam AITs, conhecidos como “surtos de amilóide” (amyloid spells).

Neste artigo, há apresentação de um caso de um paciente com CAA cuja apresentação simulava um AVC, mas que na investigação complementar etiológica provou tratar-se de um caso de CAA-RI. 

RELATO DE CASO 

Paciente do sexo masculino de 63 anos dá entrada com relato de episódios estereotipados e recorrentes de parestesias migratórias que se espalhavam por lábios e braço direitos associado a disartria que duravam em média 10 a 20 minutos. De antecedente pessoais relevantes, havia um histórico de uma artropatia inflamatória idiopática em fase inativa há muito tempo, hiperplasia prostática benigna e ex-tabagismo. 

A TC de crânio e a angiotomografia foram normais e o paciente recebeu tratamento direcionado para a hipóteses de AITs “em crescendo” com dupla antiagregação (AAS + clopidogrel) e estatina de alta potência. Devido ao achado de episódios curtos de fibrilação atrial detectados na telemetria, o paciente iniciou anticoagulação terapêutica. O ecocardiograma transtorácico identificou uma fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 40%, mas sem trombo cardíaco, atriopatia ou valvulopatia.

A RNM do cérebro evidenciou uma pequena área de restrição à difusão no lobo parietal esquerdo, associado a achados de realce leptomeníngeo e hipossinal cortical na sequência de susceptibilidade magnética. 

Cerebral amyloid angiopathy with related inflammation masquerading as crescendo transient ischaemic attacks

(A) 1 de março de 2021 – RM, sequência B1000 DWI mostrando pequena área de restrição à difusão na substância branca do lobo parietal esquerdo. (B) ADC mostrando área de hipossinal correspondente à área de hipersinal de DWI. (C) Imagem T1 pós-contraste mostrando realce leptomeníngeo frontoparietal esquerdo. (D) SWI mostrando siderose cortical sutil no lobo parietal esquerdo.
ADC, coeficiente de difusão aparente; DWI, imagem ponderada em difusão; SWI, imagem ponderada por susceptibilidade.

Devido aos achados de imagem, as hipóteses diagnósticas foram ampliadas para condições inflamatórias como CAA, angeíte primária do sistema nervoso central, causas neoplásicas, condições infecciosas e doença reumatológica.

A análise do líquor evidenciou pleocitose de 10 células (VR≤5), de predomínio linfocítico, com 144 hemácias, com proteína e glicose normais. Painel viral, que incluia enterovírus, vírus herpes simplex 1, 2 e herpes zoster, foi negativo. O eletroencefalograma não capturou nenhuma descarga epileptiforme e não houve nenhum evento clínico durante a monitorização.

Os episódios foram resolvidos e as investigações posteriores não forneceram uma explicação alternativa: o diagnóstico provisório mais provável foi de ataques isquêmicos transitórios. Diante disso, o paciente foi de alta com anticoagulacão e plano de acompanhamento e repetição dos exames de imagem. 

Depois de 3 dias da alta, o paciente retornou ao serviço por conta de episódios recorrentes de parestesias em membro inferior de duração média de 30 minutos. Foi transicionado a anticoagulacão com DOAC para enoxaparina e iniciado levetiracetam (antiepiléptico). A punção lombar não evidenciou alterações, com celularidade normal. 

Neste momento, a RNM encontrou novos pequenos focos de restrição à difusão na substância branca justacortical parietal esquerda e extensão do realce meníngeo para as regiões perisilvianas e insulares. Isso aumentou a suspeita diagnóstica para uma patologia inflamatória ou infiltrativa progressiva.

 Cerebral amyloid angiopathy with related inflammation masquerading as crescendo transient ischaemic attacks

(A, B) 11 de março de 2021 – RM B1000 DWI e ADC mostrando novos focos de restrição de difusão no lobo parietal esquerdo. (C) Imagem T1 pós-contraste mostrando maior extensão do realce leptomeníngeo nas regiões perisylviana e insular. (D) SWI mostrando aumento do hipossinal sobre os sulcos do lobo parietal esquerdo e do lobo frontal. 

O paciente foi submetido a uma ampla e extensa investigação complementar que incluiu exames para identificação de condições neoplásicas e hematológicas, condições infecciosas, condições reumatológicas e vasculíticas. Nenhum dos exames foi elucidado. 

Sendo assim, o paciente foi submetido a uma biópsia cortical e leptomeníngea do lobo parietal esquerdo. O material foi enviado para histologia, cultura bacteriana e fúngica, micobacteriologia (bacilos álcool-ácido resistentes) e imunofenotipagem por citometria de fluxo. 

A análise patológica identificou espessamento hialino das arteríolas leptomeníngeas e parenquimatosas com linfócitos perivasculares. A imuno-histoquímica identificou deposição vascular disseminada de beta-amiloide. Não havia vasculite e apenas placas senis esparsas sem emaranhados neurofibrilares ou deposição de tau. Esses achados são diagnósticos de CAA-RI.  

 

Cerebral amyloid angiopathy with related inflammation masquerading as crescendo transient ischaemic attacks

(A) H&E com aumento de 100x mostrando linfócitos perivasculares e espessamento hialino das arteríolas leptomeníngeas e parenquimatosas. (B) Imuno-histoquímica beta-amilóide mostrando deposição vascular disseminada de beta-amilóide. Existem apenas placas senis corticais esparsas. (C) coloração de antígeno comum leucocitário CD45 mostrando aumento de linfócitos nas leptomeninges.

Diante da hipótese de CAA-RI, o paciente foi tratado com prednisolona oral 50mg/dia. Dois meses depois encontrava-se assintomático e sem recorrência dos eventos, tendo progredido desmame da prednisolona para 10 mg. A repetição da RM do cérebro mostrou resolução do realce leptomeníngeo, indicando uma resposta clínica e radiológica completa ao tratamento imunossupressor.

DISCUSSÃO 

A CAA é uma vasculopatia na qual o beta-amilóide se deposita nos pequenos e médios vasos do córtex e das leptomeninges com predileção subcortical e cortical posterior. Diversos relatos de casos semelhantes ao trazido neste artigo relatam que as crises amilóides são frequentemente confundidas com eventos isquêmicos ou crises epilépticas focais.

A natureza fisiopatológica das referidas crises amilóides ainda permanece desconhecida; elas provavelmente representam crise epilépticas por irritação por hemorragia/microhemorragias, fenômenos vasoespásticos ou depressão cortical alastrante, tal como ocorre na enxaqueca. 

CAA-RI e angiite relacionada a amiloide beta (ABRA) são subclasses inflamatórias raras de CAA. Elas são delineadas por características patológicas na biópsia cortical: CAA-RI apresenta inflamação perivascular e ABRA apresenta inflamação mural.

CAA-RI tipicamente se apresenta com um declínio cognitivo agudo ou subagudo, dores de cabeça, convulsões e déficits neurológicos focais. A localização dos déficits neurológicos em geral segue a distribuição da inflamação cortical, favorecendo as regiões supratentorial e subcortical.

O diagnóstico definitivo de CAA requer características histológicas específicas observadas na análise histopatológica de material de biópsia cortical e leptomeníngea. A deposição de amilóide é identificada usando imuno-histoquímica de beta-amilóide sob microscopia de campo claro. Os dois subtipos inflamatórios de CAA são caracterizados por manguitos perivasculares compreendendo linfócitos (CAA-RI) ou infiltração de linfócitos murais causando vasculite (ABRA). 

Dada a natureza irregular e segmentar do CAA inflamatório, ocasionalmente a biópsia de áreas afetadas por imagem não mostra alteração inflamatória.

Em um grande estudo retrospectivo de CAA-RI de 2011, incluindo 72 casos confirmados patologicamente, a idade média de início foi de 63 anos e as características clínicas mais comuns foram alterações cognitivas e comportamentais (76%) seguidas de sinais neurológicos focais (46%). O LCR mostrou proteína elevada em 71% e pleocitose em 41%. Trinta e oito dos 53 pacientes (72%) tratados com imunossupressão melhoraram clinicamente.

Os riscos e a baixa sensibilidade da biópsia cerebral levaram os autores dessa série a propor critérios diagnósticos para CAR-RI ‘provável’ e ‘definitivo’ com base nos achados clínicos e de imagem.  

Cerebral amyloid angiopathy with related inflammation masquerading as crescendo transient ischaemic attacks

Em 2016, foi publicada uma série de 64 casos que validaram esses critérios e propuseram algumas pequenas modificações, como incluir siderose superficial como manifestação hemorrágica para CAA.

Uma outra publicação, também de 2016, sugeriu ainda que o envolvimento leptomeníngeo é altamente sugestivo de CAA-RI com sensibilidade de 70% e especificidade de 93%, enquanto a hemorragia lobar sugere mais CAA não inflamatória.

O curso clínico da CAA-RI é variável, com estudos que descrevem uma doença monofásica juntamente com episódios recorrentes-remitentes e, em raras circunstâncias, progressão implacável. Os pacientes geralmente respondem favoravelmente à imunossupressão e, embora existam poucos dados de acompanhamento a longo prazo, a mortalidade geral está entre 2% e 10%.

PONTOS-CHAVE 

-A angiopatia amilóide cerebral com inflamação (CAA-RI) é um importante mimetizador de acidente vascular cerebral e ataque isquêmico transitório devido às suas apresentações neurológicas frequentemente focais e agudas.

-A anticoagulação é contraindicada na AAC devido ao risco aumentado de hemorragia intracerebral e subaracnóidea; é, portanto, essencial que os médicos permaneçam cientes da possibilidade e das alterações sugestivas de CAA.

-A imunossupressão precoce em pacientes com CAA-RI pode tratar os sintomas e prevenir a recorrência.

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