Estima-se que a Borreliose por Lyme afete mais de 200.000 europeus e 470.000 americanos dos EUA a cada ano. Causado por uma infecção por espiroqueta, ela afeta o sistema nervoso em 10-15% dos casos, sendo frequente a radiculoneurite dolorosa e neurite de nervos cranianos. No entanto, há poucos casos reportados por imagem, inclusive com poucos casos que cursam com impregnação dos nervos cranianos, comparados aos relatos clínicos.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo foi descrever a prevalência de realce dos nervos cranianos III a XII no momento do diagnóstico de neuroborrelioses por Lyme (LNB), entender se o realce é associado à manifestação clínica na fase aguda e 6 meses após o tratamento.
MÉTODOS
Este estudo faz parte de um projeto de pesquisa (BorrSci) a fim de melhor conhecimento do diagnóstico e tratamento da Borreliose por Lyme. Os pacientes foram convidados a fazer parte da pesquisa dentro de 1 mês do diagnóstico, de acordo com os guidelines da European Federation of Neurological Societies’ (EFNS), sendo “definitivo” quando houver 3 critérios preenchidos e “possível” quando houver 2 critérios preenchidos: (1) Sintomas neurológicos sugestivos de LNB sem outro motivo óbvio, (2) Pleocitose no LCR (maior ou igual a 5 leucóticos/mm³), e (3) anticorpos intratecais para Borrelia burgdorferi.
Foram incluídos 69 pacientes, cujas imagens por RM (3 Teslas) foram avaliadas por 2 neurorradiologistas dentro de 1 mês do diagnóstico e no início do tratamento , que graduaram o realce neural, nos segmentos cisternais, em 4 categorias: ausente, possível, leve-moderado e acentuado. Os segmentos avaliados do nervo facial foram: intra-axial, conduto auditivo interno (CAI) proximal, CAI distal, labiríntico, gânglio geniculado, timpânicos, mastoideo e parotídeo.
As manifestações clínicas também foram avaliadas no momento do tratamento e 6 meses após: sem manifestação, leve ou moderada e severa.
RESULTADOS:
A idade média dos pacientes foi de 56.6 anos para os homens e 59.6 anos para as mulheres, sendo 54 pessoas com diagnóstico definitivo e 15 com diagnóstico possível de LNB. Dos 69 pacientes, 39 (57%) apresentaram realce patológico de nervo craniano patológico e 13 de múltiplos nervos cranianos. 26 pacientes apresentaram realce de apenas 1 nervo craniano, independente se a doença era uni ou bilateral. 7 pacientes apresentaram realce de 2 nervos e 6 de mais de 2 nervos.
A combinação de realce de nervos cranianos, quando o acometimento foi múltiplo, foi, na seguinte ordem:
– III + VII (5 pacientes)
– III, VI + VII (3 pacientes).
Foi encontrada também uma correlação forte entre o grau de paralisia facial e o realce no segmento distal do conduto auditivo interno e parotídeo, no momento baseline e após 6 meses. A proporção de paralisia facial na fase aguda com o realce no CAI distal foi 34/53 no baseline e 6/48 em 6 meses; para o segmento parotídeo, foi de 22/25 e 6/21, respectivamente. Em 6 meses, 6/13 com realce intenso no CAI e 4/6 com realce intenso no segmento parotídeo tiveram paralisia persistente. 17 sujeitos apresentam realce no oculomotor e/ou abducente na fase aguda, apenas 1 deles com paralisia do movimento ocular leve no baseline e nenhum em 6 meses. 4 sujeitos tiveram realce do trigêmeo, sendo 3 deles sem distúrbio sensorial facial. Ninguém relatou perda auditiva, apesar de 2 terem apresentado realce nos nervos vestibulococleares.
Desta forma, a discussão do artigo pode trazer alguns teaching points, vamos lá!
- Antes de tudo, é importante se lembrar que é fisiológica a impregnação espontânea pelo meio de contraste nos seguintes locais: gânglio geniculado, segment mastoideo e timpânico do nervo facial, sem significado patológico.
- Acometimento de nervo craniano na LBN ocorre em mais da metade dos casos (57%), mas pode ser clinicamente occulta.
- Os nervos acometidos mais comumente foram facial e oculomotor, sendo o envolvimento bilateral frequente. O acometimento múltiplo é menos comum (13/69).
- Sobre o nervo facial especificamente, as características por imagem do seu realce são similares ao padrão daquela idiopática (CAI distal e segmento labiríntico), sendo que o seu realce tem correlação forte com paralisia facial clinicamente. O realce no segmento parotídeo é mais específico (mas menos sensível) que o realce no CAI distal para predizer paralisia no diagnóstico e em 6 meses; parecendo que o realce no segment parotídeo pode significar paralisia persistente/ sequela. Desta forma, a ausência de realce do segmento parotídeo pode ter valor prognóstico, favorecente a expectativa de função normalizada em 6 meses.
- Realce do oculomotor ou abducente mais frequentemente ocorre sem evidência de paralisia do movimento ocular.
- Não houve casos relatados de perda auditiva.
Fonte:
Lindland, E.S., Solheim, A.M., Dareez, M.N. et al.
Neuroradiology 64, 2323–2333 (2022).