Multidisciplinary consensus guideline for the diagnosis and management of spontaneous intracranial hypotension

A hipotensão intracraniana espontânea (HIE) é uma síndrome altamente incapacitante secundária ao vazamento de líquido cefalorraquidiano (LCR) causado principalmente por uma ruptura dural, vazamento de divertículo meníngeo ou fístula venosa liquórica.

A incidência anual estimada de HIE é de 3,7 por 100.000. Os sintomas se assemelham à síndrome de hipotensão intracraniana de outras causas, como na punção pós-liquórica e em vazamentos de LCR pós-cirúrgicos e pós-traumáticos. No entanto, na HIE a drenagem anormal de LCR ocorre espontaneamente na coluna vertebral em um local que é desconhecido no momento da apresentação.

A HIE é tipicamente caracterizada por cefaleia ortostática além de uma variedade de outros sintomas neurológicos e em aproximadamente 80% dos casos há sinais característicos de hipotensão intracraniana na ressonância magnética.

MÉTODO

O propósito desta publicação foi criar uma diretriz clínica de consenso multidisciplinar descrevendo as melhores práticas no diagnóstico, investigação e tratamento de HIE devido à fístula liquórica espinhal, com base nas evidências da literatura e no consenso de um grupo multidisciplinar de interesse especializado, que foi composto por nove neurologistas, seis neurorradiologistas, seis neurocirurgiões, dois anestesistas, um enfermeiro e cinco representantes de pacientes (membros da instituição de caridade CSF Leak Association, sediada no Reino Unido).

A diretriz não se aplica a fístulas intracranianas, cefaléia pós-punção dural ou fístulas pós-traumáticas e pós-cirúrgicas.

A diretriz foi estruturada em 22 questões norteadoras. Separamos as 10 questões que achamos mais relevantes e as resumimos a seguir.

QUESTÕES NORTEADORAS DO GUIDELINE

Q1. Quais características clínicas centrais que devem levar à consideração do diagnóstico de HIE?

A HIE deve ser considerada em qualquer paciente que apresente:
-Cefaleia ortostática (exceto após punção dural iatrogênica ou trauma grave);
-Cefaleia no “fim do dia” ou na “segunda metade do dia” com melhora da dor com decúbito;
-Cefaleia em trovoada seguida de cefaleia ortostática;
-Nova cefaleia diária persistente com qualidade ortostática inicial.

O guideline define como cefaleia ortostática aquela que atenda aos seguintes critérios:

-Ausente ou apenas leve (1–3 em 10 na escala de avaliação) ao acordar ou após ficar deitado por muito tempo.

-O início da dor de cabeça ocorre até 2 horas após ficar em ortostase.

-Depois de ficar deitado, a cefaleia deve ter uma melhora significativa na gravidade (>50%) dentro de 2 horas.

-O momento do início e do fim da dor de cabeça é consistente.

Q2. Quais diagnósticos diferenciais de HIE devem ser considerados e como os diagnósticos devem ser confirmados?

Os principais diagnósticos diferenciais de HIE incluem síndrome de taquicardia postural (PoTS), hipotensão ortostática, cefaleia cervicogênica e enxaqueca.

Q3. Que investigações de primeira linha devem ser realizadas em pacientes com suspeita de HIE?

Idealmente, a ressonância magnética do cérebro com contraste e a ressonância magnética da coluna inteira devem ser realizadas como investigações de primeira linha. Se não for possível obter ambos ao mesmo tempo, a RM do cérebro com contraste deve ser realizada como investigação de primeira linha.

A RM do cérebro com contraste é essencial para procurar sinais de imagem que sugerem o diagnóstico de hipotensão intracraniana. A ressonância magnética de toda a coluna nem sempre é necessária para o diagnóstico e é improvável que localize o local da fístula liquórica, mas pode ser útil para identificar a presença de achados que possam direcionar a mielografia invasiva subsequente.

A punção lombar não deve ser realizada rotineiramente com o único propósito de confirmar o diagnóstico de HIE. Se a punção lombar estiver sendo realizada por outros motivos, como para excluir diagnósticos diferenciais, a pressão de abertura do LCR deve ser medida.

Q4. Quando a mielografia deve ser utilizada na investigação de HIE?

O objetivo da mielografia na HIE é localizar o local de uma fístula liquórica espinhal para planejar o tratamento direcionado.

Ela deve ser considerada em qualquer um dos seguintes cenários:

1.Pacientes que tiveram pelo menos um achado de HIE na RM do cérebro ou da coluna e não obtiveram nenhum benefício ou obtiveram apenas benefício temporário de uma ou mais “blood-patchs” (BP) não direcionados.

2.Pacientes com RM normal do cérebro e da coluna, com divertículos meníngeos, nos quais a suspeita clínica de encontrar fístula venosa é alta e que não obtiveram nenhum benefício ou obtiveram apenas benefício temporário de uma ou mais BPs não direcionados.

3.Pacientes com RM normal do cérebro e da coluna, sem divertículos meníngeos, nos quais a suspeita clínica é alta e nos quais a mielografia foi recomendada após discussão da equipe especializada.

4.Se um paciente já estiver sob os cuidados de uma equipe especializada onde a mielografia estiver disponível e ainda não tiver realizado um BP não direcionado, a equipe poderá decidir, com base em fatores individuais do paciente, prosseguir diretamente para a mielografia.


Q5. Quais estratégias mielográficas devem ser utilizadas na investigação de HIE?

A mielografia para fístulas espinhais deve ser realizada por um neurorradiologista com experiência e que faça parte de uma equipe especializada. A escolha da técnica mielográfica (tabela 1) depende de vários fatores, incluindo a presença ou não de uma coleção peridural longitudinal espinhal (SLEC) e a causa subjacente suspeita do vazamento. 

 

 

Em pacientes com alta suspeita clínica, mas com RM normal do cérebro e da coluna, uma fístula liquórica venosa é a causa mais provável da HIE. A probabilidade de encontrar vazamento nesses pacientes é baixa, mas a mielografia por TC (CTM) ou mielografia por subtração digital (DSM) são as opções recomendadas.

A mielografia intratecal por RM com gadolínio não possui a resolução temporal da CTM e do DSM e não é recomendada como técnica de primeira linha. No entanto, pode ser útil em casos de suspeita de divertículo meníngeo com vazamento lento, quando o CTM ou o DSM forem negativos. O uso de gadolínio intratecal é off-label e o consentimento informado deve ser solicitado aos pacientes para isso.

Q6. Quais são as estratégias de manejo conservador e farmacológico que devem ser consideradas e por quanto tempo?

O manejo conservador deve ser discutido com todos os pacientes com suspeita de HIE e implementado por até 2 semanas a partir do início dos sintomas. As medidas conservadoras recomendadas devem incluir repouso no leito e hidratação (2,0–2,5 L diários). Outras estratégias que podem ser recomendadas são o uso de cintas abdominais e evitar manobras de Valsalva.

Se os sintomas não se resolverem apenas com o manejo conservador, o “blood-patch” não direcionado deve ser rapidamente proposto, até no máximo 2 semanas de tratamento conservador.

Se não houver resposta ou uma resposta transitória ao primeiro BP, um segundo BP poderá ser considerado antes de se prosseguir para a mielografia.

O intervalo de tempo recomendado entre os BPs (ou após a recorrência dos sintomas naqueles com resposta transitória) deve ser de 2 a 4 semanas.

Q7. Como devem ser realizados os BPs não direcionados?

Os BPs não direcionados devem ser realizados por um profissional experiente, sob anestesia local e com a opção de usar orientação fluoroscópica ou tomográfica para acessar o compartimento peridural.

Deve ser administrado tanto sangue quanto possível até 40 mL, idealmente num volume total mínimo de 20 mL. A administração de sangue autólogo deve cessar quando o paciente sentir dor/pressão nas costas, dores de cabeça ou sintomas radiculares que não consiga mais tolerar.

Após o procedimento, os pacientes devem ficar em posição supina ou em posição de Trendelenburg.

Os pacientes devem ser aconselhados a permanecer deitados o máximo possível durante 1–3 dias após o procedimento e devem ser aconselhados a minimizar durante 4–6 semanas todo e qualquer exercício que provoque valsalva e aumento de pressão intra-abdominal.


Q8. Quando deve ser considerado o tratamento cirúrgico de uma fístula liquórica?

O manejo cirúrgico da HIE deve ser considerado em pacientes que permanecem sintomáticos após manejo conservador apropriado e/ou BPs não direcionados nos quais uma lesão causal foi identificada no DSM ou CTM.

A decisão de oferecer cirurgia deve considerar a resposta a tratamentos anteriores, gravidade dos sintomas, local e tipo de fístula, viabilidade e risco da cirurgia e preferência do paciente. 

Se uma fístula venosa for mostrada na mielografia, o tratamento endovascular também pode ser considerado como tratamento de primeira linha (juntamente com patch direcionado e cirurgia).

Q9. Como devem ser tratados os pacientes com sinais de imagem de HIE, mas assintomáticos?

 Pacientes assintomáticos com evidência radiológica de HIE devem ser encaminhados a um centro e equipe especializados. 

Há evidências emergentes de possíveis sequelas significativas em longo prazo (particularmente siderose superficial) de vazamentos persistentes de LCR na coluna. Esta informação deve ser discutida com os pacientes assintomáticos.

Os pacientes que optam por uma abordagem conservadora devem receber acompanhamento clínico e repetir a neuroimagem (RM de crânio e coluna) a cada 1–2 anos.

Q10. Qual é a melhor abordagem para o manejo da dor de cabeça no HIE?

O tratamento principal é direcionado para a melhora do quadro de hipotensão liquórica junto com medicações analgésicas comuns.

Em pacientes que não respondem ao tratamento inicial da HIE, é importante procurar cefaleia primária comórbida e tratar de acordo com o fenótipo. Deve-se alertar os pacientes sobre o risco de cefaleia por uso excessivo de medicamentos.

Para o tratamento da cefaleia primária associada, os medicamentos que potencialmente reduzem a pressão do LCR, como o topiramato e a indometacina, e os preventivos da enxaqueca que podem reduzir a pressão arterial, como a candesartana e os beta-bloqueadores, devem ser utilizados com precaução, pois podem exacerbar os sintomas posturais da HIE. 

CONCLUSÃO

Segundo os autores, este é o primeiro guideline clínico resultado de um consenso por uma equipe multidisciplinar sobre o tema. Eles deixam claro que esta diretriz destina-se a orientar os não especialistas sobre os princípios de gestão de casos de HIE, em vez de servir como recomendações obrigatórias. Sem dúvida, esta é uma publicação que pode ajudar muito no manejo dos pacientes com HIE, uma condição na qual há carência de evidência de alta qualidade na literatura.

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