Definição
A artéria cerebral em rede ou em galho (“Rete ACM” ou “Twig-like middle cerebral artery” ou “unfused MCA”) é uma anomalia congênita em que a artéria cerebral média (ACM) não se funde, formando um grande ramo proeminente de vasos plexiformes no estágio fetal.
Prevalência
Esta é uma anomalia extremamente rara, encontrada em cerca de 0,67% de pacientes.
Fisiopatologia
Muitos autores descreveram a rete ACM como uma anomalia congênita resultante de uma interferência da fusão do tronco principal da ACM no estágio de desenvolvimento embrionário. Durante o desenvolvimento embrionário normal do sistema arterial intracraniano humano, a artéria carótida interna (ACI) primitiva distal inicialmente se divide em um grande ramo, que se torna a artéria coroidea anterior, e numerosos ramos arteriais plexiformes, que evoluem para os primitivos da ACA e ACM. A interrupção deste processo por causas inexplicáveis durante o período fetal resulta no aparecimento de uma rede arterial plexiforme.
Desenvolvimento embrionário da ACM. A: Tipo fetal. A ACI primitiva distal é dividida em um grande ramo e numerosas redes arteriais plexiformes. B: Há formação da artéria cerebral anterior, mas a ACM primitiva ainda não se formou. C: Rete ACM. A interrupção do processo neste estágio resulta na persistência da rede arterial fetal, exceto a ACM distal, que se encontra preservada. D: ACM do tipo adulto.
Complicações associadas
Esta é uma doença congênita da vasculatura cerebral com a possibilidade de uma anormalidade adquirida associada, como por exemplo aneurismas, causados por estresse hemodinâmico. Complicações como AVC isquêmico e hemorrágico são bastante comuns neste subgrupo de pacientes.
Padrão de imagem
Há afilamento e muitas vezes ausência do segmento M1, com múltiplos vasos plexiformes nesta localização, formando uma “rede de vasos”, por isso o nome da entidade. A grande dica é que os segmentos distais estão normais, assim como a carótida interna, ajudando-nos a diferenciar de um padrão Moyamoya.
Caso clínico
Veja o caso abaixo de um homem de 52 anos com cefaleia de forte intensidade. Na letra A, temos a TC de admissão, com hemorragia na região intravascular, hemoventrículo e hemorragia subaracnoide. Em B1, o padrão de artéria cerebral média do tipo Rete à direita. Repare uma rede de vasos no lugar do segmento M1. Em B2, vemos a reconstrução 3D.
Após uma semana, em C1 e C2, vemos aneurismas próximos à Rete ACM. Esta é uma complicação comum nestes casos.
A letra D evidencia o campo cirúrgico, com um segmento M1 esbranquiçado e friável.
Diagnósticos diferenciais
Doença de Moyamoya: é uma vasculopatia esteno-oclusiva progressiva que afeta a bifurcação da ACI e seus ramos principais, com formação secundária de uma rede colateral anastomótica na base do cérebro (vasos de moyamoya) e colaterais transdurais da artéria carótida externa (ACE). Com a progressão, inclui as ACM e ACAproximais e, em raras ocasiões, a circulação posterior. Enquanto a doença de moyamoya típica é angiograficamente bilateral e simétrica, a rete ACM é uma anomalia unilateral.
Mas, mais raramente, a doença de moyamoya ou padrão de moyamoya pode ser unilateral. Nestes casos, outros sinais ajudam na diferenciação: no caso da rete ACM não há vasos colaterais transdurais, como são vistos na maioria dos casos de doença de moyamoya. Além disso, na doença de moyamoya, os vasos distais da ACM têm a aparência de uma “nuvem de fumaça” (descrita como moyamoya em japonês). No entanto, na anomalia de rete ACM, o calibre e fluxo da ACM distal estão mantidos.
Rete Mirabile: A rete mirabile (latim para “rede maravilhosa”) é uma rede arterial complexa encontrada em vários vertebrados em que a artéria carótida externa, especialmente ramos da artéria maxilar, assume o suprimento de sangue das ACIs.
Mikami et al. descreveram seis características angiográficas da rete mirabile:
1) Hipoplasia da ACI começando na bifurcação carotídea;
2) Um plexo arterial entre a artéria maxilar interna e a porção cavernosa da ACI;
3) Dilatação da artéria oftálmica e anastomose da artéria maxilar interna;
4) O segmento supraclinóide da ACI não é hipoplásico e é alimentado pelo plexo arterial e pela artéria oftálmica;
5) Lesões bilaterais;
6) Ausência de vasos com padrão moyamoya ou vasos anastomosados na porção intradural.
Como as anomalias da rete MCA não têm vasos colaterais transdurais definidos e são unilaterais, podem ser distinguidas da rete mirabile.
Veja um caso de Rete Mirabile à esquerda, com consequente gliose e atrofia do hemisfério cerebral deste lado.
Muito interessante, né?
Agora você não confundirá mais estes diagnósticos!
Fontes:
Rete middle cerebral artery anomalies: a unifying name, case series, and literature review. Kwang-Chun Cho et al. JNS, 2018. Link aqui!
Teaching NeuroImages: Rete-like middle cerebral artery. Neurology, 2019. Link do artigo.