Occult Spinal Dural Arteriovenous Malformation

Paciente de 67 anos com quadro progressivo de perda de força e sensibilidade em membros inferiores associado a incontinência esfincteriana e comprometimento bulbar.

Paciente com diagnóstico prévio de hipertensão, diabetes mellitus, hiperplasia prostática benigna, tuberculose infantil latente (estado pós-tratamento).

Evolução temporal e investigação diagnóstica do caso = 

-Apresentação inicial = Dormência, paraparesia de membros inferiores progressiva e retenção urinária intermitente. 

-3º mês = Dormência e parestesias ascenderam até a cintura e piora da incontinência fecal e urinária.

-5º mês = Fraqueza membro superior, disartria e disfagia. Deambulava com auxílio unilateral.

-7º mês = Piora da fraqueza de MMII. 

-9º mês = Tornou-se acamado. Exame com fraqueza proximal grau 2 e fraqueza distal de 0. 

Na apresentação inicial, o paciente fez uma ressonância da coluna lombar e torácica com e sem contraste, que revelou uma lesão medular com realce longitudinalmente extensa de T4 ao cone medular, com espessamento de raízes. O exame foi repetido no nono mês de acompanhamento, com aumento da lesão, conforme mostrado na figura 1. 

FIGURA 1 – RM da coluna cervical (linha superior), torácica (linha do meio) e lombar (linha inferior) com imagens em T2 (coluna esquerda) e T1 das mesmas regiões pré (coluna do meio) e pós (coluna direita) contraste demonstrando a lesão medular longitudinalmente extensa e edema do cone medular.

Ao longo do processo de investigação, o paciente foi submetido a amplas investigações para etiologias inflamatórias, neuroinfecciosas, neoplásicas e paraneoplásicas, que resultaram-se negativas. Devido à suspeita de etiologia vascular, o paciente foi submetido a três exames de angiografia, o primeiro estudou de T6 a L4, o segundo de T1 a L4, e o terceiro de T2 a L2.

A hipótese vascular foi corroborada por um exame de biópsia de medula espinhal sugestivo de etiologia vascular para o caso, sem comprometimento por vasculite, doença granulomatosa ou inflamação ativa. 

Na quarta angiografia que o paciente realizou foi encontrada uma veia dilatada perto da linha média da medula em L5, justificando uma investigação mais aprofundada com angiografia seletiva, que descobriu um fístula arteriovenosa medular dural (FAVMD) no nível de L5, suprido por ramos L5 bilaterais da artéria iliolombar (Figura 2).

FIGURA 2 – Angiografia de subtração digital espinhal (DSA). A artéria ilíaca comum (ponta de seta) foi seletivamente cateterizada revelando uma fístula arteriovenosa dural (asterisco) originando-se de ramos lombares bilaterais (linha perfurada) da artéria iliolombar (linha contínua) em L5 (2A). Uma veia espinhal ascendente severamente congestionada e tortuosa estendeu-se para atingir a base do crânio (seta em 2B, 2C).

Após a ligadura cirúrgica da fístula, o paciente relatou alguma melhora na força proximal de membros inferiores e maior capacidade de transferência da cama para uma cadeira.

Discussão = 

As FAVMDs representam a malformação vascular da medula mais comum, com incidência maior na quinta e sexta década de vida e predominância no sexo masculino. As fístulas são conexões diretas anormais entre uma artéria e uma veia na dura-máter adjacente a uma raiz nervosa, sendo que 80% ocorre na região toracolombar (T6-L2).

O fluxo sanguíneo arterializado no sistema venoso causa hipertensão venosa com consequente diminuição na perfusão tecidual. A menor densidade de fluxo venoso na região torácica inferior explica a evolução caudal para craniano do edema congestivo medular. Isso justifica a evolução ascendente dos sintomas medulares desses pacientes, com início do acometimento em medula espinhal inferior e cone mesmo quando a fístula está localizada em segmentos mais superiores.

Atrasos diagnósticos são frequentes, já que são muitas as causas de mielopatias e as de nosologia inflamatória e infecciosa tendem a ser mais consideradas. O realce persistente na ressonância magnética além de 3 meses e a progressão dos sintomas apesar do tratamento com esteróides ou imunomoduladores devem levar à consideração de etiologias não inflamatórias da mielopatia, ou seja, etiologias neoplásicas e vasculares.

Os achados de imagem característicos dos FAVMDs incluem a presença de “flow-voids”, edema e realce do cone medular (90% dos casos) e o “sinal da peça faltante (missing piece sign)”, uma área geográfica focal sem realce dentro de um longo segmento de realce ao contraste (43% dos casos).

A angiografia espinhal é a modalidade padrão para confirmar e identificar a localização da fístula, mas este é um procedimento demorado, complicado pela anatomia variante e que pode exigir a pesquisa de ramos vasculares menores e que demandam maior experiência técnica.

Este é um caso que ilustra várias manifestações típicas das FAVMDs, como a idade de apresentação, a ascensão craniana dos déficits medulares típicos, o atraso no diagnóstico e a dificuldade de elucidação investigativa. Por outro lado, o caso ressalta uma manifestação atípica que é o suprimento vascular fornecido por ramos L5 da artéria iliolombar que dificultou a investigação e exigiu angiografia direcionada para o segmento em questão.

Fica claro também a importância da comunicação multidisciplinar entre especialistas em neurorradiologia, neurocirurgia, neuroendovascular e neurologia para o diagnóstico e o tratamento das FAVMDs.

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