A oclusão aguda da artéria basilar representa uma condição neurológica grave com alto grau de morbidade e mortalidade: até 80% dos pacientes com achados clínicos moderados a graves morrem ou permanecem com incapacidade grave.
Dois estudos randomizados prévios, o BEST e o BASICS, investigaram a segurança e eficácia da trombectomia endovascular em pacientes com oclusão da artéria basilar e não mostraram a superioridade da trombectomia endovascular sobre o tratamento clínico padrão. No entanto, houve altas taxas de cruzamentos no estudo BEST e falta de inscrição consecutiva no BASICS, o que limitou a certeza de seus resultados.
Nesse cenário, dois estudos recentemente publicados (outubro de 20222) no NEJM tiveram como objetivo a investigação da eficácia da trombectomia no tratamento agudo da oclusão de artéria basilar.
ATTENTION TRIAL
Tratou-se de um estudo aberto, multicêntrico, prospectivo, randomizado, realizado em 36 centros na China.
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO =
>18 anos
AVC isquêmico com NIH => 10
< 12 horas do ictus (definido a partir da da última vez que o paciente tinha sido visto bem)
A oclusão da artéria basilar foi confirmada em angiografia por tomografia computadorizada (TC), angiografia por ressonância magnética (ARM) ou angiografia por subtração digital dentro de 12 horas após o tempo estimado de início do AVC.
CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO =
mRankin => 3 em menores de 80 anos e =>1 em maiores de 80 anos
PC-ASPECTS < 6 em menores de 80 anos e <8 em maiores de 80 anos
Hemorragia intracraniana
TRATAMENTO REALIZADO
Ambos grupos de tratamento receberam aquilo que é considerado o melhor tratamento médico disponível, o que poderia incluir tratamento trombolítico, antiagregação e anticoagulação, a critério da equipe médica.
No grupo intervenção, as estratégias utilizadas para o tratamento endovascular incluíram stent retrievers, tromboaspiração, angioplastia com balão, implantação de stent, trombólise intra-arterial ou combinações dessas abordagens que ficaram a critério da equipe de tratamento.
DESFECHOS
-Desfecho primário =
-Bom estado funcional: Rankin modificado de 0 a 3 em 90 dias
-Desfechos secundários =
-Resultado funcional excelente: Rankin modificado de 0 a 2 em 90 dias
-Distribuição dos escores da escala de Rankin modificada em direção a um melhor resultado em 90 dias.
-O escore NIHSS em 24 a 72 horas e em 5 a 7 dias.
-Pontuação no questionário de qualidade de vida (EQ-5D-5L)
-Índice de Barthel
-Desfechos de segurança =
-Hemorragia intracraniana sintomática
-Morte de qualquer causa em 90 dias
RESULTADOS
De 21 de fevereiro de 2021 a 3 de janeiro de 2022, 342 pacientes foram elegíveis para o estudo e foram aleatoriamente designados (em uma razão 2:1) para um grupo de tratamento: 228 para o grupo de trombectomia e 114 para o grupo de controle. No entanto, 2 pacientes do grupo trombectomia retiraram o consentimento para participação no estudo.
A trombólise intravenosa foi administrada em 31% dos pacientes do grupo trombectomia e em 34% do grupo controle.
A mediana do tempo estimado desde a oclusão da artéria basilar até a randomização foi de 5,1 horas no grupo trombectomia e 4,9 horas no grupo controle.
A pontuação média do NIHSS no momento da admissão foi de 24 em cada grupo.
Bom desfecho funcional em 90 dias (Rankin modificado de 0 a 3) foi observado em 46% dos pacientes no grupo de trombectomia e em 23% daqueles no grupo controle (razão de taxa ajustada, 2,06; 95% intervalo de confiança [IC], 1,46 a 2,91; P <0,001).
Um total de 75 pacientes (33%) no grupo de trombectomia e 12 (11%) no grupo controle apresentaram excelente estado funcional (Rankin modificado de 0 a 2) em 90 dias (razão de taxa ajustada, 3,17; IC 95%, 1,84 a 5,46).
A permeabilidade da artéria basilar em 24 a 72 horas foi observada em 91% dos pacientes do grupo trombectomia e em 38% do grupo controle.
Um total de 37% dos pacientes do grupo trombectomia e 55% dos do grupo controle morreram dentro de 90 dias (razão de risco ajustada, 0,66; IC 95%, 0,52 a 0,82).
Hemorragia intracraniana sintomática em 24 a 72 horas ocorreu em 12 pacientes (5%) no grupo de trombectomia e em nenhum dos pacientes do grupo controle.
CONCLUSÃO
Neste estudo com pacientes chineses com oclusão da artéria basilar, a trombectomia endovascular dentro de 12 horas após o início do AVC levou a melhores desfechos funcionais em 90 dias quando comparado aos melhores cuidados médicos, mas foi associada a complicações do procedimento e hemorragia intracerebral.
LIMITAÇÕES =
-Estudo realizado exclusivamente com pacientes chineses, população que têm maiores taxas de aterosclerose intracraniana. Resultados podem não ser aplicáveis para outras populações.
-Estudo com baixa taxa de realização de trombólise, o que pode ter levado a pior desfecho no grupo controle. Os autores relacionam essa baixa taxa à necessidade de pagamento antecipado da trombólise pelos familiares.
-Os resultados não são generalizáveis para pacientes com AVC mais leve (escore NIHSS <10) ou para aqueles que se apresentam além de 12 horas após o tempo estimado de oclusão da artéria basilar.
BAOCHE TRIAL
Tratou-se de um estudo multicêntrico, aberto, randomizado e controlado realizado em centros de tratamento de AVC na China.
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO =
Oclusão de artéria basilar ou oclusão de segmentos intracranianos de ambas as artérias vertebrais.
Entre 18 anos e 80 anos de idade.
Entre 6 e 24 horas do ictus do AVC (definido a partir da da última vez que o paciente tinha sido visto bem)
AVC isquêmico com NIH => 10
*Devido recrutamento lento, o critério de inclusão foi ampliado para incluir pacientes com NIH => 6
mRankin prévio de 0 a 1
CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO =
PC-ASPECTS < 6
Hemorragia intracraniana
Grande infarto no tronco cerebral, definido como um Índice Pons-Midbrain de mais de 2 pontos
Os pacientes foram aleatoriamente designados em uma proporção de 1:1 para serem submetidos à trombectomia e receberem atendimento médico padrão (grupo trombectomia) ou para receberem apenas atendimento médico padrão (grupo controle).
DESFECHOS
Ao longo da realização do estudo, o desfecho primário foi mudado de um bom estado funcional considerado 0 a 4 na escala de Rankin modificada para uma pontuação de 0 a 3.
-Desfecho primário =
Bom estado funcional: Rankin modificado de 0 a 3 em 90 dias
-Desfechos secundários =
-Resultado funcional excelente: Rankin modificado de 0 a 2 em 90 dias
-Distribuição dos escores da escala de Rankin modificada em direção a um melhor resultado em 90 dias.
-Patência do vaso em 24 a 72 horas após o tratamento
-Melhora neurológica dramática, que foi definida como redução de pelo menos 8 pontos no NIHSS ou pontuação de 0 a 2 em 24 horas.
-A pontuação NIHSS em 90 dias
-Pontuação no questionário de qualidade de vida (EQ-5D-5L)
-Índice de Barthel
-Desfechos de segurança =
-Hemorragia intracraniana sintomática em 24 horas
-Mortalidade em 90 dias
RESULTADOS
De agosto de 2016 a junho de 2021, um total de 217 pacientes foram incluídos (110 para o grupo trombectomia e 108 para o grupo controle) e atingiram 90 dias de acompanhamento no momento em que o estudo foi interrompido.
Uma análise provisória do estudo ocorreu em 18 de abril de 2022 e constatou que o limite de parada pré-especificado para término do estudo havia sido ultrapassado, sendo assim, a inscrição de pacientes foi interrompida.
A idade mediana dos pacientes foi de 65 anos.
A randomização ocorreu em uma mediana de 663 minutos após o início dos sintomas.
A pontuação média do NIHSS foi de 20 e a mediana do PC-ASPECTS foi de 8.
Alteplase intravenosa foi administrada a 18% dos pacientes em geral (14% no grupo de trombectomia e 21% no grupo controle).
Bom estado funcional (0 a 3 na escala de Rankin modificada) em 90 dias foi observado em 46% dos pacientes do grupo trombectomia e em 24% daqueles no grupo controle (razão de taxa ajustada, 1,81; 95% de confiança intervalo [CI], 1,26 a 2,60, P<0,001).
O resultado primário original, uma pontuação da escala de Rankin modificada de 0 a 4 em 90 dias, foi observada em 61 de 110 pacientes (55%) no grupo de trombectomia e em 46 de 107 (43%) no grupo controle (razão de taxa ajustada, 1,21; IC de 95%, 0,95 a 1,54).
Para o resultado secundário de uma pontuação da escala de Rankin modificada de 0 a 2, as porcentagens foram de 39% no grupo de trombectomia e 14% no grupo controle (razão de taxa ajustada, 2,75; IC 95%, 1,65 a 4,56).
A permeabilidade da artéria basilar em 24 horas, avaliada por CTA ou ARM, foi observada em 92% dos pacientes do grupo trombectomia e em 19% dos do grupo controle.
A incidência de hemorragia intracraniana sintomática em 24 horas foi maior no grupo de trombectomia do que no grupo controle (6% vs. 1%; razão de risco não ajustada, 5,18; 95% IC, 0,64 a 42,18).
A mortalidade em 90 dias foi de 31% no grupo trombectomia e 42% no grupo controle (razão de risco ajustada, 0,75; IC 95%, 0,54 a 1,04).
CONCLUSÃO
Neste estudo chinês que foi interrompido precocemente por eficácia, pacientes com oclusão da artéria basilar que se apresentaram 6 a 24 horas após o início dos sintomas tiveram uma incidência maior de bom desfecho funcional em 90 dias quando a trombectomia foi adicionada aos cuidados médicos padrão. A trombectomia foi associada a complicações do procedimento e com maior incidência de hemorragia cerebral.
LIMITAÇÕES =
-Estudo realizado exclusivamente com pacientes chineses, população que têm maiores taxas de aterosclerose intracraniana. Resultados podem não ser aplicáveis para outras populações.
-Estudo com baixa taxa de realização de trombólise, o que pode ter levado a pior desfecho no grupo controle. Os autores relacionam essa baixa taxa à necessidade de pagamento antecipado da trombólise pelos familiares.
-Foram feitas mudanças no protocolo durante o estudo, principalmente relacionado ao desfecho primário, que mudou da categoria de 0 a 4 para 0 a 3 na escala de Rankin modificada.