Diagnosis of myelin oligodendrocyte glycoprotein antibody-associated disease: International MOGAD Panel proposed criteria

Se você é da área da neurologia ou neurorradiologia, imagino que já deve ter ouvido falar sobre a síndrome desmielinizante relacionada ao MOG (glicoproteína da mielina dos oligodendrócitos), especialmente nos últimos anos, nos quais a discussão sobre esta síndrome aumentou, principalmente como diagnóstico diferencial das doenças desmielinizantes.

Associado a isso, a disponibilidade de ensaios baseados em células para a detecção de autoanticorpos séricos direcionados contra o MOG aumentou nos últimos 10 anos.

Alguns adultos e crianças com neurite óptica e mielite transversa longitudinalmente extensa que foram previamente classificados como tendo doença do espectro da neuromielite óptica soronegativa para aquaporina-4 (NMOSD AQP4 -) foram agora identificados como sendo positivos para o anticorpo MOG-IgG. 

Ao contrário da esclerose múltipla e da NMOSD, em que ataques clínicos múltiplos caracterizam formas recidivantes da doença, os indivíduos com doença associada ao anticorpo MOG (MOGAD) podem ter um curso monofásico ou recidivante. 

Vários manuscritos propuseram recomendações para o diagnóstico de MOGAD, mas não foram formulados critérios diagnósticos formais de consenso internacional. 

Esta é uma publicação de um painel internacional de neurologistas, neuropediatras, neuroimunologistas e pesquisadores que propõe critérios diagnósticos para MOGAD. 

Características clínicas de pacientes com MOG-IgG

A neurite óptica é de longe a manifestação inicial mais comum, particularmente entre adultos, enquanto a ADEM com ou sem envolvimento concomitante do nervo óptico é a primeira manifestação típica em crianças, particularmente antes dos 11 anos de idade. A mielite transversa também é uma apresentação comum. 

A tabela 1 resume as principais características que podem ser utilizadas para diferenciar os quadros clínicos de MOGAD da esclerose múltipla e da NMOSD soropositiva para AQP4 e a figura 1 evidencia os principais achados de RNM típicos de MOGAD. 

Tabela 1. Resumo das principais características do MOGAD, NMOSD AQP4-IgG e esclerose múltipla.

 

Figura 1. Imagens de ressonância magnética mostrando as características de imagem comuns ou sugestivas de acometimento pelo MOGAD. 

(A) Realce da bainha óptica perineural (com envolvimento difuso da gordura orbital e realce do nervo óptico). 

(B) Edema e realce do nervo óptico direito (visão coronal). 

(C) Hiperintensidade em T2 do nervo óptico bilateral e extensa longitudinalmente. 

(D) Edema do disco óptico radiologicamente visível. 

(E) Edema do disco óptico na fundoscopia. 

(F) Edema do disco óptico no olho contralateral da imagem (E) .

(G) Lesão hiperintensa em T2 longitudinalmente extensa na coluna torácica. 

(H) Envolvimento medular central com sinal H. 

(I) Lesão do cone medular. 

(J) Lesão pontina hiperintensa em T2. 

(K) Lesões bilaterais dos pedúnculos cerebelares médios. 

(L) Lesões cerebrais bilaterais envolvendo o tálamo. 

(M) Grandes lesões mal definidas envolvendo substância branca supratentorial. 

(N) Hiperintensidade cortical no FLAIR com (O) realce leptomeníngeo associado.

Exames laboratoriais

Teste MOG-IgG

O soro é o tipo de amostra preferido para o teste MOG-IgG 

O painel endossa fortemente o teste de soro para pacientes com suspeita de MOGAD usando ensaios baseados em células que usam o MOG humano completo para detectar MOG-IgG. 

Dado que os laboratórios podem não esclarecer se usam ensaios baseados em células vivas ou fixas, o painel recomenda fortemente que os médicos que solicitam testes perguntem sobre os métodos usados ​​para a detecção de MOG-IgG.

Os relatórios séricos de MOG-IgG devem, na opinião do painel, pelo menos incluir resultados qualitativos (ou seja, negativo, positivo baixo e positivo claro) e resultados semiquantitativos (ou seja, títulos, taxa de citometria de fluxo ou pontuações visuais).

O painel propõe critérios para resultados claros positivos e baixos positivos (incluídos no material suplementar do artigo).  

O valor preditivo positivo para características clínicas consistentes com MOGAD aumentou com o aumento do título de MOG-IgG e, portanto, positivos claros terão um valor preditivo positivo mais alto.

Os pacientes têm maior probabilidade de soropositividade MOG-IgG quando testados no momento do surto clínico incidente. Idealmente, o teste deve ser feito antes da administração de corticosteróides, imunoglobulinas ou aférese, porque essas terapias podem reduzir a detecção sérica de MOG-IgG, conforme observado ao testar AQP4-IgG. 

Se o teste inicial de MOG-IgG sérico foi negativo, mas obtido após a administração de terapias agudas, então a repetição do teste é aconselhada pelo menos 3 meses depois (após um período de tempo suficiente para que os efeitos da aférese, em particular, não sejam mais ativos) ou no momento de uma recaída. 

Os títulos de MOG-IgG geralmente diminuem com o tempo, mas podem permanecer positivos por anos ou tornar-se soronegativos com ou sem imunoterapia. A soroconversão de negativo para positivo é extremamente incomum em pacientes com resultado de teste negativo no início. 

Os títulos iniciais de MOG-IgG no soro não têm forte valor prognóstico para recuperação ou recaída. 

Coexistência de outros anticorpos ou distúrbios autoimunes

Muitos laboratórios executam ensaios MOG-IgG e AQP4-IgG simultaneamente. A positividade dupla é muito rara e, quando ocorre, os títulos de AQP4-IgG são quase sempre altos, enquanto os títulos de MOG-IgG são baixos. O achado de AQP4-IgG é o principal resultado de diagnóstico, uma vez que pacientes duplo-positivos se manifestam com um curso clínico consistente com NMOSD. 

Pacientes com características de NMOSD que são soronegativos para AQP4-IgG devem ser testados para MOG-IgG sérico. 

Exame geral de líquor 

A pleocitose do LCR ocorre em mais de 50% dos pacientes com um primeiro surto desmielinizante de MOGAD. Até 12% desses pacientes têm pleocitose maior que 100. A pleocitose do LCR é mais provável durante um surto clínico do que durante a remissão e mais frequente em pacientes com ADEM ou mielite transversa do que em pacientes com neurite óptica.

As bandas oligoclonais no LCR favorecem fortemente o diagnóstico de esclerose múltipla. No entanto, bandas oligoclonais são detectadas em até 20% dos pacientes com MOG-IgG e sua presença não exclui o diagnóstico de desmielinização associada ao anticorpo MOG-IgG.

Considerações sobre a seleção de pacientes para testagem MOG-IgG

A solicitação do teste sérico para MOG-IgG baseia-se na apresentação clínica e na avaliação dos exames de imagem. 

O artigo enfatiza que a avaliação sérica para MOG-IgG não deve ser um teste de triagem para todos os pacientes com ataques desmielinizantes incidentes e traz um painel de recomendações para selecionar melhor os pacientes que têm indicação de testagem. 

Seleção de pacientes para testagem do MOG-IgG

PONTOS CHAVES:  
A seleção adequada dos indivíduos que são mais apropriados para serem testados aumenta o valor preditivo positivo (VPP) do teste – isto é, a probabilidade de indivíduos com teste de triagem positivo realmente terem a doença. 

O teste MOG-IgG não é recomendado como teste de triagem de todos os pacientes com achado de desmielinização do SNC.

Aconselha-se cautela na interpretação de resultados positivos de MOG-IgG no soro ou no LCR de pacientes com características clínicas ou radiológicas ATÍPICAS para MOGAD, pois os falsos positivos são mais prováveis, particularmente quando os títulos são baixos.

SITUAÇÕES ESPECÍFICAS PARA TESTAGEM:

>> Crianças (<11anos) com neurite óptica ou ADEM:

Frequência de MOG-IgG aproxima-se de 50% 

RECOMENDADA = > A triagem desses grupos para MOG-IgG, onde a probabilidade pré-teste é alta, produziria um VPP alto e é recomendada.

>> Adultos com neurite óptica: 

Frequência de MOG-IgG de cerca de 5% 

CAUTELA => A triagem desse grupo para MOG-IgG, em que a probabilidade pré-teste é moderada, produziria um VPP intermediário, portanto, recomenda-se cautela. O idela é realizar a testagem em neurites ópticas sugestivas de MOGAD, como citados a seguir.

>> Adultos com neurite óptica + edema de papila:

Frequência de MOG-IgG chega a 39%

RECOMENDADA

Outros parâmetros para aumentar VPP em neurite óptica: 

-Lesões extensas do nervo óptico longitudinalmente

-Envolvimento bilateral simultâneo do nervo óptico

-Inflamação perineural da bainha do nervo óptico 

>> Achados sugestivos de ESCLEROSE MÚLTIPLA:

Frequência de MOG-IgG varia entre 0,3 a 2,5%

NÃO RECOMENDADA => A triagem de rotina para MOG-IgG nestes pacientes resultaria em um número muito alto de falsos-positivos e portanto não é recomendada. 

 

SOBRE OS CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 

Pacientes com um dos principais tipos de ataque clínico e resultados de teste de MOG-IgG claramente positivos no soro medidos por ensaio baseado em células podem ser diagnosticados com MOGAD.

Caso o paciente com um dos tipos de surtos clínicos associado a MOGAD apresente-se com títulos MOG-IgG séricos baixos, ou com resultados séricos relatados como positivos mas sem título, ou com resultados claros positivos no teste MOG-IgG no LCR ele também deve ter pelo menos um dos CRITÉRIOS DE SUPORTE clínicos ou de ressonância magnética para ser diagnosticado com MOGAD. 

Os pacientes devem ser diagnosticados com MOGAD somente após a exclusão de outros diagnósticos que possam explicar melhor suas características clínicas. Isso requer experiência clínica de médicos que lidam com diagnóstico de doenças desmielinizantes. 

EXEMPLO ILUSTRATIVO = 

Um paciente com neurite óptica e com ressonância magnética que preenche os critérios de 2017 para esclerose múltipla, bandas oligoclonais positivas no LCR e baixo título de MOG-IgG seria mais apropriadamente diagnosticado com esclerose múltipla. 

Por outro lado, um paciente com neurite óptica bilateral associada a edema do disco óptico e envolvimento longitudinal extenso do nervo óptico, com bandas oligoclonais limítrofes no líquor, com lesões de RNM que envolvem as áreas incluídas nos critérios de disseminação no espaço para esclerose múltipla, mas com caráter mal definido, e com título de MOG-IgG sérico claramente positivo, pode tecnicamente atender aos critérios de 2017 para esclerose múltipla, mas seria mais apropriadamente diagnosticado com MOGAD. 

Embora a maioria dos pacientes com esclerose múltipla não tenha MOG-IgG sérico positivo e a maioria dos pacientes com MOGAD não atenda aos critérios de McDonald de 2017 para esclerose múltipla, alguns pacientes atenderão a ambos os critérios diagnósticos e o diagnóstico final requer experiência e observação cuidadosa ao longo do tempo.

Figura 3 . Critérios diagnósticos propostos para MOGAD

Os principais sinais de alerta que devem levar à reconsideração de um diagnóstico de MOGAD estão listados abaixo: 

•Comprometimento neurológico progressivo na ausência de surto

•Piora rápida dos déficits clínicos desde o início até o nadir em minutos ou horas

•Nenhuma melhora após o tratamento com altas doses de corticosteróides para um surto agudo

•Achados de RNM de lesões hiperintensas em T2 bem circunscritas em um padrão que atende aos critérios de disseminação no espaço para esclerose múltipla, especialmente quando acompanhadas por bandas oligoclonais no LCR e pelo acúmulo ao longo do tempo de novas lesões silenciosas e manutenção da maioria das lesões anteriores em T2 

•Realce ao contraste que persiste por 6 meses ou mais 

DISCUSSÃO E PARALELOS COM A REALIDADE BRASILEIRA

A proposição destes novos critérios representa um avanço importante, uma vez que o diagnóstico correto de MOGAD é fundamental porque a patologia, o tratamento e o prognóstico desta condição são diferentes daqueles para a esclerose múltipla ou para a NMOSD. 

Este painel tem vários pontos fortes que merecem ser ressaltados:
1) Valoriza a importância de ser classificar clinicamente os pacientes e buscar os achados clínicos que são sugestivos de MOGAD. Mesmo com todo o avanço dos métodos laboratoriais, a experiência clínica é enfatizada como fundamental para a determinação do diagnóstico de MOGAD. 

2) Ressalta a necessidade de indicar os exames adequados para a testagem MOG-IgG e que os resultados devem sinalizar indicativos tanto qualitativos quanto quantitativos. Isso evita os testes falso-positivos que podem ser comuns com a testagem indiscriminada e feita por metodologias menos fidedignas.

3) Valoriza a seleção adequada dos pacientes para a testagem. Pedir indiscriminadamente o teste como forma de aumentar o diagnóstico de MOG-IgG na prática clínica não parece ser o caminho certo para melhorar o diagnóstico desta condição. O ideal é selecionar os pacientes que têm alta probabilidade pré-teste para MOGAD e só testá-los depois que a avaliação clínica e radiológica foram sugestivas.

No entanto, a testagem para MOG-IgG no Brasil ainda está longe de ser uma realidade consolidada.

O acesso aos testes diagnósticos recomendados ainda é difícil e restrito aos grandes centros. 

Sabemos que mesmo os pacientes com esclerose múltipla, que é o protótipo mais comum e “simples” das doenças desmielinizantes, enfrentam diversas dificuldades no diagnóstico adequado e no acesso aos profissionais de saúde especializados. Quando consideramos então a NMOSD e a MOGAD, as dificuldades enfrentadas são ainda maiores. Não há disponibilidade de testes no serviço público, há escassez de profissionais especializados e os centros de radiologia com tecnologia adequada são restritos. Ou seja, estamos longe de conseguir aplicar todas as recomendações trazidas pelo painel para melhorar o diagnóstico da MOGAD. 

Por outro lado, por enfatizar as características clínicas dos pacientes com MOGAD e por enfatizar a importância da experiência dos profissionais que lidam com estes pacientes, este painel não deixa de ter sua relevância mesmo em situações de pouca disponibilidade de recursos tecnológicos. Os testes são aliados daquilo que é o mais importante da medicina: o profissional de saúde. 

LINK DO ARTIGO 

conteúdos relacionados

Usamos cookies e tecnologias semelhantes para personalizar o conteúdo e melhorar sua experiência no site de forma segura. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Politica de Privacidade