O tempo ideal de retorno da anticoagulação após AVC isquêmico em pacientes com fibrilação atrial (FA) não é consenso na literatura e ainda não há dados robustos para embasar essa decisão. Tanto o risco de novo evento isquêmico quanto o risco de hemorragia são maiores nos primeiros dias após um AVC. Sendo assim, o retorno precoce da anticoagulação pode aumentar o risco de hemorragia intracraniana, enquanto o início tardio pode aumentar o risco de recorrência precoce do AVC.
Algumas recomendações sugerem o início da anticoagulação em 1, 3, 6 ou 12 dias após um AIT ou após um AVC isquêmico menor, moderado ou grave, respectivamente; conhecida como “regra de 1-3-6-12 dias”. O presente estudo trouxe novas evidências sobre o manejo adequado nestas situações, ao comparar um grupo de anticoagulação precoce com a abordagem padrão mais tardia.
METODOLOGIA
O estudo foi realizado em 103 centros de AVC na Europa, Oriente Médio e Ásia.
Foram selecionados pacientes com AVCi e que tinham FA não valvar permanente, persistente ou paroxística ou que havia sido diagnosticada durante a hospitalização.
Um infarto de 1,5 cm ou menor foi definido como menor; um infarto na distribuição de um ramo superficial cortical da artéria cerebral média, anterior ou posterior foi definido como moderado; e infartos maiores na distribuição dessas artérias ou um infarto do tronco cerebral ou cerebelar maior que 1,5 cm foram definidos como maiores.
Foram excluídos pacientes com hematomas confluentes dentro das áreas infartadas.
Os participantes foram designados aleatoriamente em uma proporção de 1:1 para início precoce de DOAC ou início tardio de DOAC, seguindo uma estratificação entre idade (<70 anos ou ≥70 anos), tamanho do infarto (menor, moderado ou maior) e escala de NIHSS (<10 ou ≥ 10).
O tratamento precoce foi definido como o início de um DOAC dentro de 48 horas após o início do AVC em participantes com AVC leve ou moderado e no dia 6 ou 7 naqueles com AVC grave.
O tratamento posterior/tardio foi definido como o início de um DOAC em participantes com AVC leve no dia 3 ou 4 após o início do AVC, em participantes com AVC moderado no dia 6 ou 7 e em participantes com AVC grave no dia 12, 13 ou 14.
O desfecho primário foi um composto de AVC isquêmico recorrente, embolia sistêmica, sangramento extracraniano importante, hemorragia intracraniana sintomática ou morte vascular dentro de 30 dias após a randomização.
RESULTADO – DESFECHO PRIMÁRIO
Dados de resultados primários estavam disponíveis para 1.975 de 2.013 participantes (98%). Um evento de desfecho primário ocorreu em 29 participantes (2,9%) no grupo de tratamento precoce e em 41 participantes (4,1%) no grupo de tratamento tardio.
A razão de chances estimada para um evento de desfecho primário no grupo de tratamento precoce em comparação com o grupo de tratamento tardio foi de 0,70 (intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,44 a 1,14), e a diferença de risco derivada foi de -1,18 pontos percentuais (IC 95%, -2,84 a 0,47).
RESULTADO – DESFECHO SECUNDÁRIO
Hemorragia intracraniana sintomática por 30 dias ocorreu em 2 participantes (0,2%) em ambos os grupos (odds ratio, 1,02; IC 95%, 0,16 a 6,59).
AVC isquêmico recorrente em 30 dias ocorreu em 14 participantes (1,4%) no grupo de tratamento precoce e 25 participantes (2,5%) no grupo de tratamento tardio (odds ratio, 0,57; IC 95%, 0,29 a 1,07). As taxas cumulativas de AVC isquêmico recorrente em 90 dias foram de 1,9% no grupo de tratamento precoce e 3,1% no grupo de tratamento tardio (odds ratio, 0,60; 95% CI, 0,33 a 1,06).
DISCUSSÃO
A incidência do composto de acidente vascular cerebral, embolia sistêmica, hemorragia ou morte em 30 dias foi estimada em 2,8 pontos percentuais abaixo a 0,5 ponto percentual acima com o uso precoce de DOACs do que com o uso tardio.
No dia 30, AVCs isquêmicos recorrentes ocorreram em 1,4% dos participantes do grupo de tratamento precoce e 2,5% dos participantes do grupo de tratamento tardio. Esses dados ressaltam que a taxa de AVC isquêmico recorrente com uso de DOACs foi baixa, em uma taxa que está próxima da extremidade inferior das estimativas em estudos anteriores de anticoagulação em que o “tratamento tardio” foi definido de forma variada. Além disso, poucas hemorragias intracranianas sintomáticas ocorreram com o tratamento precoce ou com a estratégia de tratamento tardio – apenas 0,2% em cada grupo.
O estudo optou por usar uma definição baseada em imagem da gravidade do AVC porque uma alternativa, o escore NIHSS, depende tanto da localização quanto do tamanho do infarto. Em vários estudos, o tamanho de um infarto medido por análise de volume ou medidas semiquantitativas tem sido relacionado ao risco de transformação hemorrágica. Esse é um ponto forte do estudo, pois muda o jeito mais clássico de definição de extensão do AVC que é pelo estratificado pelo escore de NIHSS.
As limitações do estudo são a exclusão de pessoas que já estavam recebendo anticoagulação terapêutica no início do estudo e a baixa mediana do escore NIHSS na randomização. O estudo também tem poder estatístico limitado para explorar subgrupos e, portanto, nenhuma conclusão pode ser tirada desses resultados.
A maioria dos AVC incluídos no estudo já teriam indicação de anticoagulação precoce pelo protocolo padrão utilizado no braço tardio/conservador se fossem classificados pelo escore NIHSS. O estudo reforça a segurança da anticoagulação precoce para AVC pequenos e moderados. No entanto, a representação de AVC graves e com NIHSS mais elevado não foi tão representativa assim, justamente o grupo de pacientes nos quais a anticoagulação precoce é mais temida pelo risco maior de hemorragia.
Como devemos considerar esses resultados na prática clínica para pacientes com FA e um AVC recente? Como um todo, há uma baixa probabilidade de que a anticoagulação precoce, de acordo com a definição do estudo, cause danos em termos de risco excessivo de hemorragia. No entanto, a diferença estimada entre os grupos de 1,1 pontos percentuais na incidência de AVC isquêmico recorrente em 30 dias, que favoreceu o início precoce da anticoagulação, é pequena.
Em resumo, o estudo vem adicionar mais conhecimento quanto ao tempo ideal de reiniciar os DOACs após AVC em pacientes com FA, reforçando, em especial, a segurança da anticoagulação precoce; no entanto, não conseguiu responder com robustez muitas dúvidas relativas ao tema, principalmente nos casos de AVCs graves e com NIHSS mais altos. Cabe ao profissional de saúde utilizar esses novos dados e informações trazidas pelo estudo ao seu julgamento clínico, para facilitar a tomada de decisões, que deve sempre ser individualizada caso a caso.