A trombectomia mecânica é parte do tratamento padrão recomendado para pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) agudo decorrente de oclusão proximal de grandes vasos da circulação anterior, podendo ser realizada respeitando-se janelas temporais ou baseada em mismatch entre perfusão cerebral regional e core isquêmico.
Postula-se que o uso concomitante de trombolítico endovenoso (alteplase) pode aumentar a reperfusão precoce na área isquêmica e dissolver trombos residuais distais após a trombectomia. No entanto, é importante ressaltar que, no caso de oclusão proximal de grandes vasos, a alteplase apresenta efeito limitado na lise do trombo, podendo produzir fragmentos com potencial embólico, além de aumentar o risco de hemorragia cerebral. Metanálises sugerem efeitos equivalentes da trombectomia mecânica isolada ou combinada com trombólise; no entanto, estudos randomizados a respeito desta associação apresentam resultados limitados.
Este trial pretende determinar se a trombectomia mecânica isolada seria ou não inferior à terapia combinada (trombectomia + trombolítico) em pacientes com AVC com oclusão proximal de grande vaso da circulação anterior.
Qual foi o método empregado?
Trata-se de um estudo randomizado prospectivo multicêntrico envolvendo pacientes com AVC agudo com oclusão proximal de grande vaso da circulação anterior, envolvendo 41 centros acadêmicos de cuidado terciário da China, elegíveis tanto para trombectomia mecânica quanto para trombólise endovascular.
Os pacientes foram randomizados em 2 grupos com razão de 1:1, sendo eles:
– Trombectomia isolada: apenas trombectomia mecânica
– Terapia combinada: trombectomia precedida de alteplase endovenosa (0,9 mg/kg), administrada dentro de 4,5h após o início dos sintomas.
O comitê de avaliação de desfechos e de imagem não ficava ciente da distribuição dos pacientes por grupo. E quais foram os desfechos avaliados?
– Desfecho primário: avaliação para não-inferioridade da trombectomia isolada em relação à terapia combinada, utilizando-se da diferença de distribuição entre os grupos na escala modificada de Rankin em 90 dias (0 – assintomático a 6 – óbito). Estes dados foram obtidos através de entrevistas estruturadas com formulários padrão, desempenhadas por médicos treinados e cegos para a designação dos pacientes nos grupos.
– Desfechos secundários: foram avaliados vários, dentre eles: óbito em 90 dias, sucesso de reperfusão pós-trombectomia mecânica (escore TICI estendido), volume final da lesão isquêmica pela tomografia computadorizada, escore clínico (NIHSS em 24h e após 5-7 dias ou na alta hospitalar e em 90 dias).
– Desfechos relacionados à segurança: hemorragias sintomáticas (Heidelberg criteria), embolização em novo território arterial, formação de pseudoaneurisma ou hematoma na área de punção, infarto cerebral em novo território vascular em 5-7 dias, mortalidade em 90 dias.
Vamos aos resultados! 🙂
Foram incluídos 656 pacientes no estudo, sendo 327 no grupo trombectomia isolada e 329 no grupo terapia combinada. A maioria era do sexo masculino e a média de idade em ambos os grupos foi de 69 anos, com ASPECTS médio de 9 e de NIHSS 17, no momento da randomização.
– Desfecho primário: Trombectomia isolada não se mostrou inferior à terapia combinada.
– Desfecho secundário: A mortalidade em 90 dias foi de 17,7% com trombectomia isolada e 18,8% com a terapia combinada. O percentual de pacientes com reperfusão bem sucedida (e TICI maior ou igual a 2b) antes da trombectomia foi de 2,4% no grupo da trombectomia isolada e de 7,0% no grupo da terapia combinada e sucesso após a trombectomia de 79,4% e de 84,5%, respectivamente. No entanto, conclusões a respeito dos desfechos secundários não podem ser feitas devido ao não ajuste dos intervalos de confiança para múltiplas comparações. Para mais desfechos secundários, veja a tabela a seguir.
– Desfechos relacionados à segurança: O percentual de eventos adversos graves em 90 dias, hemorragia intracraniana e complicações relacionadas ao procedimento não diferiram significativamente entre os grupos.
Tendo em vista o risco potencial de hemorragia intracraniana e os custos relacionados à administração da alteplase, diversos estudos têm questionado seu uso nos pacientes elegíveis à trombectomia mecânica.
Este estudo apresentou resultados concordantes com uma metanálise anterior, que teve o cuidado de eliminar vieses e fatores confundidores. No entanto, os resultados contrastam com outras metanálises que não aplicaram estes ajustes e mostraram superioridade no tratamento combinado.
Este trial mostrou que, em pacientes com AVC agudo por oclusão proximal de grande vaso da circulação anterior, elegíveis para tratamento tanto com trombólise (alteplase) quanto com trombectomia mecânica, a terapia com trombectomia isolada não foi inferior à terapia combinada (trombólise endovenosa com alteplase dentro de 4,5h + trombectomia).
No entanto, algumas observações merecem destaque. Na maioria dos cenários de assistência ao AVC agudo no mundo, a administração da alteplase é realizada em um hospital e a trombectomia mecânica é realizada em outro. Dessa forma, a administração da alteplase, na maioria dos casos, é realizada com antecedência suficiente para ser finalizada até o momento da trombectomia.
Neste estudo, a infusão da alteplase ocorreu de forma concomitante à trombectomia em 86,5% dos pacientes. Desta forma, a infusão incompleta da alteplase no grupo da terapia combinada pode ter influenciado os resultados do estudo e cuidado deve ser tomado ao extrapolá-los para demais serviços. Outro ponto importante é que o estudo foi constituído apenas por população asiática, limitando a capacidade de generalização dos resultados para outras populações.
Fonte:
P. Yang and Yongwei Zhang et al, for the DIRECT-MT Investigators
The New England Journal of Medicine. May 6, 2020.