Intravenous Thrombolysis in Patients With Ischemic Stroke and Recent Ingestion of Direct Oral Anticoagulants

Os DOACs (anticoagulantes orais de ação direta) configuram-se como anticoagulantes com melhor perfil de efeitos colaterais e interações medicamentosas e melhor perfil de segurança quando comparados com os antagonistas da vitamina K.

Desde seu surgimento, os DOACs têm ganhado espaço na prática médica para tratamento e profilaxia de diversas condições tromboembólicas, particularmente profilaxia de AVC isquêmico em paciente com fibrilação atrial (FA).

Diferente do uso da varfarina, para a qual é possível monitorizar o INR e realizar trombólise a depender de seu valor, os exames para monitorização da atividade dos DOACs não são amplamente disponíveis no setor de emergência. Por isso, os guidelines atuais de AVC colocam o uso recente de DOACs como contraindicação para a realização da trombólise. Essa indicação é baseada principalmente no conhecimento sobre a trombólise no contexto de anticoagulação com outros agentes, para os quais a realização de trombólise aumenta o risco de sangramento intracraniano. 

Diante disso, surge a questão central deste estudo: o uso recente de DOACs (ingestão confirmada nas últimas 48 horas) está associado a risco aumentado de hemorragia intracraniana sintomática após trombólise para AVC isquêmico?

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo, multicêntrico e internacional realizado em 64 centros de AVC na Europa, Ásia, Austrália e Nova Zelândia, entre janeiro de 2008 a dezembro de 2021.

Pacientes adultos com 18 anos ou mais eram elegíveis se tivessem apresentado um AVC isquêmico agudo tratado com trombólise associado à ingestão confirmada de um DOAC nas últimas 48 horas. Os pacientes cuja última ingestão conhecida de DOAC foi superior a 48 horas antes do início do AVC foram excluídos. Os pacientes poderiam ter sido submetidos a trombectomia.

Para o grupo de comparação, foram incluídos pacientes que tiveram AVC isquêmico tratados com trombólise, mas não receberam terapia anticoagulante anterior.

O desfecho primário foi hemorragia intracraniana (HIC) sintomática definida como qualquer HIC relatada até 36 horas após a trombólise associada a piora neurológica de pelo menos 4 pontos na escala NIHSS. Os desfechos secundários incluíram qualquer HIC radiológica após a trombólise e funcionalidade medida pela escala modificada de rankin (mRS). 

RESULTADOS

Um total de 832 pacientes com uso recente de DOAC foi comparado com 32.375 controles sem uso recente de DOAC.

Dos 33.207 pacientes incluídos, a idade mediana foi de 73 anos. A pontuação mediana da escala de NIHSS foi de 9. 

Em centros selecionados que forneceram mais específicos, somente 19% dos pacientes elegíveis para trombólise em uso de DOACs de fato receberam trombólise. A comparação inicial mostrou que aqueles que não receberam trombólise eram mais velhos, tinham maior prevalência de fatores de risco vascular, maior grau de incapacidade pré-AVC, tempo mais longo desde o início dos sintomas até a admissão, tiveram AVCs menos graves e eram menos prováveis de serem tratado com trombectomia mecânica.

A taxa não ajustada de HIC sintomática foi de 2,5% (IC 95%, 1,6-3,8) em pacientes tomando DOACs em comparação com 4,1% (IC 95%, 3,9-4,4) em pacientes de controle sem anticoagulantes. 

Após o ajuste para a gravidade do AVC e outros preditores basais de HIC sintomática, os pacientes com ingestão recente de DOACs que receberam trombólise tiveram menor chance de desenvolver HIC sintomática (OR ajustado, 0,57; 95% CI, 0,36-0,92; P  = 0,02).


Figura 1. Desfechos de pacientes com AVC isquêmico agudo tratados com trombólise por estratégia de seleção.

Não houve diferença clara no resultado primário de acordo com o tempo desde a última ingestão de DOAC ou janela de tempo de trombólise. 

DISCUSSÃO 

Este estudo encontrou um risco reduzido de HIC sintomática em pacientes com ingestão recente confirmada de DOACs tratados com trombólise em comparação com os controles.

O resultado vai contra o pensamento empírico de que o uso de anticoagulantes aumenta o risco hemorrágico.

Este achado contra-intuitivo é explorado pelos autores com base fisiopatológicas que tentam relacionar o uso de DOACs com diminuição do sangramento. É hipotetizado que a inibição da trombina, seja diretamente ou por meio da cascata de coagulação, pode ser protetora contra a ocorrência de HIC. Os DOACs podem potencializar a recanalização dos vasos ocluídos e podem diminuir a magnitude do tamanho dos infartos, o que levaria a diminuição do risco de sangramento. 

O principal ponto positivo deste estudo é que ele aborda especificamente os pacientes que tomaram DOACs com adesão verificada e com ingestão dentro de 48 horas antes da internação hospitalar. Apesar disso, uma limitação é que o momento exato da ingesta do DOACs não era conhecido para uma parcela grande dos pacientes. 

A principal limitação do estudo trata-se daquelas inerentes à natureza observacional e retrospectiva da pesquisa, com alto risco de viés de seleção. Os médicos podem ter oferecido trombólise apenas para os pacientes com ingestão recente de DOACs que tinham uma baixa probabilidade de HIC. Isso torna-se especialmente relevante no subgrupo de pacientes que foram submetidos a trombólise sem medição dos níveis plasmáticos de DOAC e sem utilização da reversão com idarucizumabe antes da trombólise. 

CONCLUSÃO

Trata-se de um estudo importante por trazer informações de segurança da trombólise em pacientes em uso de DOACs, situação que até o momento consta como contraindicação à sua realização. Devido às limitações próprias de um estudo retrospectivo e não randomizado, com risco de importantes vieses, esta evidência ainda é fraca para dar embasamento científico para uma mudança nas recomendações e guidelines.

Mesmo assim, trata-se de um avanço que fornece ao neurologista embasamento para conseguir individualizar e oferecer um melhor tratamento para o AVC isquêmico.

 LINK PARA ARTIGO 

conteúdos relacionados

Usamos cookies e tecnologias semelhantes para personalizar o conteúdo e melhorar sua experiência no site de forma segura. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Politica de Privacidade