A tuberculose representa um importante problema de saúde nos países em desenvolvimento, apresentando incidência considerável e alta morbidade e mortalidade. O espectro de achados de imagem da tuberculose no sistema nervoso central inclui tuberculomas, meningite, exsudatos basais, vasculite e suas complicações (infartos e hemorragias), hidrocefalia, cerebrite, abscesso, envolvimento de nervos cranianos, mielite, aracnoidite, dentre outros. As complicações cerebrovasculares são comuns na meningite tubercular e representam marcadores de mau prognóstico.
O envolvimento vascular foi relatado em cerca de até 50% dos casos de meningite tuberculosa e representa cerca de 12,5% das vasculites secundárias.O exsudato, quando presentes nas cisternas basais, pode infiltrar ou comprimir a parede do vaso causando inflamação ou espasmo com subsequente proliferação subendotelial, estenose e trombose. Os vasos de pequeno e médio porte são os mais comumente envolvidos, como as artérias lenticulostriadas, cerebral posterior e talamoperfurantes, causando infartos mais frequentemente nos núcleos da base, tálamos e substância branca profunda. A parede arterial enfraquecida também pode predispor a formação de aneurismas.
A maioria dos métodos de imagem para avaliação dos vasos, como angiografia por TC (ATC), angiografia por RM (ARM) e angiografia com subtração digital (DSA), são direcionadas para o estudo do lúmen vascular. A imagem da parede do vaso ou vessel wall imaging (VWI) por RM é uma técnica promissora de alta resolução que fornece informações detalhadas sobre a parede do vaso.
O objetivo do estudo foi analisar os achados de imagem no VWI em casos meningite tuberculosa.
MATERIAIS E MÉTODOS
101 pacientes foram incluídos no estudo, os quais apresentaram diagnóstico de meningite tuberculosa de acordo com os critérios diagnósticos por Ahuja et al. Destes, 32 pacientes (31,7%) foram categorizados como meningite tuberculosa “definitiva”, 28 pacientes (27,7%) foram categorizados como “altamente provável”, 30 pacientes (29,7%) foram categorizados como “provável” e 11 pacientes (10,9%) foram categorizados como “possível”. De acordo com a escala de coma de Glasgow (GCS) e presença de déficits neurológicos focais, os casos foram clinicamente categorizados em estágio I (GCS de 15 sem déficits neurológicos focais), estágio II (GCS de 15 com déficits neurológicos focais ou GCS de 14– 11) e estágio III (GCS igual ou menor que 10).
Os pacientes foram submetidos aos estudos de VWI e ARM com a sequência time of flight (TOF), além das sequências de RM de rotina. Foram estudadas artérias até ramos de segunda ordem (segmento supraclinoide das artérias carótidas internas, segmentos M1 e M2, segmentos A1 e A2, segmentos P1 e P2 e metades proximal e distal da artéria basilar).
A intensidade de sinal semelhante ou superior ao do lobo hipofisário posterior foi considerada como impregnação patológica pelo gadolínio. A estenose das artérias foi medida de acordo com os critérios WASID e categorizada em grau I (<50% de estenose), grau II (50% -70% de estenose) e grau III (> 70% de estenose). O padrão de impregnação pelo gadolínio do vaso envolvido foi categorizado em liso ou nodular. A impregnação nodular foi definida como envolvimento menor que 360° ou espessura pelo menos duas vezes maior em relação ao resto da parede. A avaliação da impregnação pelo gadolínio da parede do vaso foi feita por dois radiologistas experientes. Outros achados no encéfalo também foram avaliados em todos os casos, como infarto, meningite, exsudatos basais, hidrocefalia, lesões com impregnação anelar ou nodular, entre outros.
Foram realizadas análises estatísticas entre os achados dos estudos de VWI, TOF, RM do encéfalo, e dados clínicos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O estudo de VWI é uma ferramenta promissora para detectar o envolvimento vascular na meningite tubérculos e vários mecanismos participam do desenvolvimento da vasculite tuberculosa. Os vasos que atravessam os exsudatos podem ser obstruídos por vasoespasmo, compressão ou estrangulamento por exsudatos em organização. A infiltração na parede do vaso pode causar panarterite, levando à trombose – os vasos pequenos são mais suscetíveis a desenvolver panarterite, enquanto os vasos maiores comumente desenvolvem periarterite. A hidrocefalia também pode causar compressão dos vasos levando a infartos. Além disso, o estágio avançado de meningite tuberculosa (estágio III) pode induzir um estado pró-trombótico que pode causar trombose vascular. E por último, a vasculite também pode ocorrer secundária à deposição de complexos imunes de proteína tubercular na parede do vaso na ausência de meningite tubercular.
- Dos 101 casos de meningite tuberculosa, 49 casos (48,5%) apresentaram infartos e 67 casos (66,3%) apresentaram impregnação da parede vascular.
- Houve associação significativa entre a presença de meningite tuberculosa e impregnação da parede vascular.
- Houve maior acometimento dos segmentos proximais (A1, M1 e P1) em relação aos segmentos mais distais (A2, M2 e P2).
- A gravidade do envolvimento vascular apresentou correlação com a gravidade do estágio da doença. No estágio avançado da doença, foi observado envolvimento vascular multiterritorial mais grave.
- Houve associação significativa entre a impregnação da parede vascular e a presença de infartos. O acometimento de artérias individuais foi associado à presença de infartos nos seus territórios, o que implica que a presença de impregnação parietal de uma determinada artéria pode predizer o desenvolvimento de infarto em seu território. Assim, a identificação de impregnação parietal em casos que ainda sem complicações vasculares, como infarto, pode influenciar na conduta, considerando-se o tratamento precoce para prevenir o desenvolvimento dessas complicações.
- Não houve associação significativa entre o padrão de impregnação pelo gadolínio na parede vascular no VWI e a presença de infartos. Foram identificadas impregnações parietais lisas e nodulares pelo gadolínio. A impregnação nodular pode estar associada à formação de granuloma nas paredes dos vasos secundário à inoculação direta de bacilos ou devido à angiite proliferativa granulomatosa, enquanto a inflamação difusa da parede do vaso pode causar impregnação lisa.
- Não houve associação significativa entre estenose no VWI e a presença de infartos, implicando que a presença de estenose não representa um pré-requisito para o desenvolvimento de infartos. A presença de alterações inflamatórias na parede arterial na ausência de estenose pode ser suficiente para o desenvolvimento de infartos.
O estudo de VWI apresentou sensibilidade mais elevada (95,92%) do que o estudo TOF (ARM), implicando que o TOF normal não exclui o desenvolvimento de complicações vasculares, pois muitos casos não mostram estenose ou irregularidade luminal aparente no TOF, mas mostram impregnação parietal secundária à inflamação mural já presente. No entanto, o TOF apresentou maior especificidade (86,5%) para detectar envolvimento vascular em comparação com o VWI.
CONCLUSÃO
O estudo de VWI pode desempenhar um papel muito importante na detecção do envolvimento vascular na meningite tuberculosa e pode ajudar a compreender melhor sua fisiopatologia, repercutindo no melhor manejo do paciente. Existe uma correlação significativa entre a impregnação da parede do vaso e a presença de infartos. O VWI tem maior sensibilidade para detectar envolvimento vascular em comparação com o estudo TOF. Assim, a incorporação de imagens da parede do vaso na ressonância magnética de rotina pode ser uma ferramenta importante para a detecção precoce e gerenciamento de complicações cerebrovasculares e contribuir para um melhor prognóstico da doença.
Fonte:
Neha Choudhary et al
Neuroradiology, Fevereiro 2021