CONCEITOS GERAIS
Antes de mais nada, devemos ter em mente o conceito de crise epiléptica e epilepsia. Crise epiléptica é a ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas decorrentes da atividade elétrica anormal excessiva ou síncrona no cérebro, enquanto epilepsia representa um distúrbio cerebral caracterizado pela predisposição persistente em gerar crises epilépticas e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicossociais desta condição. Na prática clínica, por sua vez, a epilepsia é definida por duas ou mais crises epilépticas não provocadas com um intervalo superior a 24 horas, por uma crise epiléptica não provocada com alta probabilidade de recorrência, ou pelo diagnóstico de uma síndrome epiléptica reconhecida.
Em 2017, a ILAE lançou a classificação atualizada de tipos de crises, baseada em 3 características principais:
- Onde a crise começa no cérebro: focal (em um hemisfério), generalizada (nos dois hemisférios), desconhecida ou não classificável;
- O nível de consciência durante uma crise (perceptiva ou disperceptiva);
- A presença de características adicionais: motoras ou não motoras.
A epilepsia de início focal é o tipo mais comum, representando 80% dos pacientes resistentes aos medicamentos. 65% das epilepsias de início focal em adultos é determinada por epilepsia do lobo temporal, cujo achado estrutural mais comumente encontrado na ressonância magnética é esclerose temporal mesial.
CAUSAS DE EPILEPSIA
São diversas as causas de epilepsia focal, que incluem:
- Esclerose mesial temporal
- Alterações da proliferação, migração ou organização neuronal: Displasia cortical focal; Heterotopia nodular periventricular; Polimicrogiria; Esquizencefalia
- Síndromes neurocutâneas: Esclerose tuberosa; Síndrome de Sturge-Weber
- Neoplasia ou massa: Ganglioglioma; Tumor neuroepitelial disembrioplásico; Xantoastrocitoma pleomórfico; Oligodendroglioma; Astrocitoma; Hamartoma hipotalâmico
- Encefaloceles
- Lesões vasculares: Infarto; Malformação cavernosa; Malformação arteriovenosa
Trauma
Infecção
ABORDAGEM SISTEMÁTICA NA AVALIAÇÃO DA EPILEPSIA
Com o intuito de aumentar a sensiblidade na detecção de lesões epileptogênicas, o artigo sugere uma abordagem sistemática na avaliação das imagens de ressonância magnética do crânio:
VAMOS DISCUTIR ALGUNS DOS PRINCIPAIS ACHADOS DE IMAGEM?
Esclerose temporal mesial
- Melhor sequência: T2 coronal
- Perda de volume do hipocampo. Pista: aumento assimétrico dos cornos inferiores
- Hipersinal em T2/FLAIR
- Perda da arquitetura interna laminada normal. Pista: apagamento da linha hipointensa (“faixa escura”) separando o CA1 e giro denteado, que representa as camadas mais internas dos cornos de Ammon
- Perda de volume do fórnice e corpo mamilar ipsilaterais (conectados pelo circuito de Papez)
- Atrofia temporopolar ipsilateral
- Hipersinal na substância branca (SB) em T2/FLAIR
- Apagamento da interface branco-cinzenta
- Ausência das ondulações normais do hipocampo (alta sensibilidade e especifidade)
Displasia cortical focal
- Borramento da interface SC-SB
- Alterações na espessura cortical
- Hipersinal em T2/FLAIR cortical e subcortical
- Pode se estender ao ventrículo (“sinal do transmanto”)
- Padrões giral ou de sulcação anormais
- Áreas de hipoplasia ou atrofia
Polimicrogiria
- Córtex irregular com giros numerosos e pequenos. Atenção: em imagens de baixa resolução e cortes grossos, o córtex pode parecer espessado
- Localização
- Mais comum ao redor da fissura sylviana
- Pode envolver diversas regiões corticais
- Focal ou difusa
- Uni ou bilateral
Heterotopia nodular periventricular
- Aglomerados nodulares de SC revestindo dos ventrículos, principalmente átrios e cornos inferiores e posteriores
- Segue o sinal na SC em todas as sequências
- Único ou múltiplo
- Uni ou bilateral
Heterotopia subcortical em banda
- Faixa de SC na SB, entre o córtex e os ventrículos laterais com aspecto em “duplo córtex”
- Pode ser contínua ou descontínua
- Geralmente bilateral e simétrica
- Pode ter anormalidades no córtex adjacente, como paquigiria (giros diminuídos em número com aspecto amplo e plano)
Encefalocele da fossa craniana média
- Avaliação cuidadosa de sequências volumétricas T1 3D (± T2 3D em casos selecionados)
- Pode ser acompanhada de encefalomalácia cística e gliose no parênquima cerebral circundante ou herniado, que contribuem com a epileptogenicidade
- TC: confirmação e avaliação adicional de defeitos ósseos
- Pode estar associado a hipertensão intracraniana idiopática, com remodelamento da fossa craniana média, granulações aracnoides proeminentes, meningocele e encefaloceles verdadeiras
Tumores epileptogênicos
Principais tumores epileptogênicos
- Gangliogliomas
- Tumores neuroepiteliais disembrioblásicos (DNETs)
- Xantoastrocitomas pleomórficos
- Outros: Gliomas de baixo grau (oligodendrogliomas, astrocitomas); Tumores gliais mistos de baixo grau; Tumores glioneuronais mistos
Inversão hipocampal incompleta
- Variação na forma do hipocampo – alguns estudos sugerem estar associada com epilepsia
- Mais comum à esquerda
- Hipocampo arredondado e globular com orientação mais vertical e localização mais medial
- Achados associados: aumento do corno ventricular inferior adjacente e sulco colateral profundo e verticalizado
Status epilepticus
O status epilepticus é definido por uma única crise epiléptica com duração maior que 5 minutos ou duas ou mais crises epilépticas juntas durando mais de 5 minutos sem recuperação da consciência
A atividade epiléptica persistente e excitotoxidade, determinam uma alta demanta metabólica, que supera a oferta de oxigênio, mesmo com o aumento compensatório da perfusão, resultando em edema citotóxico e vasogênico
Localização:
Áreas de maior atividade epiléptica (neocorticais e límbicas) e áreas conectadas (pulvinar do tálamo ipsilaterais, cerebelo contralateral, NB e claustro)
Achados de imagem:
- Edema nos locais acometidos, com hipoatanuação na TC e hiperintensidade em T2/FLAIR, geralmente com restrição à difusão, podendo apresentar impregnação pelo contraste
- A perfusão no período ictal pode mostrar um fluxo sanguíneo cerebral aumentado e tempo de trânsito lento, enquanto que no período pós-ictal, pode haver redução do fluxo sanguíneo cerebral e aumento do tempo de trânsito
ABORDAGEM DA EPILEPSIA
Os pacientes com epilepsia clinicamente intratável que são candidatos a intervenção cirúrgica devem ter um planejamento cirúrgico cuidadoso para localizar a zona de início da epilepsia, bem como para determinar o prejuízo funcional da ressecção/ablação.
Para isso, o estudo pré-operatório inclui: RM do crânio, eletroencefalograma (de couro cabeludo e/ou intracraniano), monitoramento por vídeo, magnetoencefalografia, testes neuropsicológicos, PET scan, SPECT, RM funcional e RM 7 Teslas.
TRATAMENTO
A abordagem terapêutica se inicia com as drogas antiepilépticas, que controlam cerca de dois terços das crises. O terço restante, refratário ao tratamento medicamentoso, pode ser candidato à intervenção cirúrgica. Os pacientes não candidatos ou refratários a cirurgia podem se beneficiar de terapias dietéticas.
O tratamento cirúrgico pode ser feito através da resseção da área epileptogênica, que no adulto, geralmente, se faz com ressecção do lobo temporal medial (hipocampo e amigdala) associada ou não à ressecção do lobo temporal lateral.
Outros tratamentos mais recentes incluem:
- Terapia térmica intersticial com laser. Cateteres colocados por estereotaxia fornecem energia a laser para ablação térmica do tecido
- Estimulação do nervo vago. Eletrodos colocados ao redor do nervo vago esquerdo e conectados a um gerador de pulso implantado por via subcutânea no tórax esquerdo
- Neuroestimulação responsiva. Dispositivo implantado na calvária, que registra o EEG intracraniano com eletrodos superficiais (subdurais) ou profundos (na profundidade do parênquima cerebral), localizados na zona de início da convulsão
- Estimulação cerebral profunda do núcleo talâmico anterior. Eletrodos implantados nos núcleos talâmicos anteriores, que representam o ponto de junção no circuito de Papez, envolvido na propagação das crises epilépticas
Fonte:
R. Assadsangabi et al
Neurographics, May-Jun 2020